sexta-feira, 13 de abril de 2018

Apresentação

Os nove ensaios aqui presentes fariam parte de um livro intitulado "Conselheiro Espiritual", no qual seria abordado temas bíblicos e temas sobre espiritualidade cristã. Entretanto, o autor deixou os ensaios inacabados não dando sequência à empreitada. Até mesmo os ensaios presentes nesta plataforma não estão de todo acabados, faltando muitas vezes referências bibliográficas e notas de rodapé. 
Os livros consultados para a feitura dos ensaios foram mencionados ao longo dos mesmos. Alguns dos temas abordados poderão ser de grande valia ao leitor, como por exemplo a reflexão sobre o rosto, que nos remete de certo modo ao filósofo Emmanuel Levinas em sua obra "Violência do Rosto".
Vale dizer que o ensaio que introduziria a obra integral, – se fosse levada a cabo – seria o ensaio que leva o nome da mesma, destacado logo no início desta apresentação. É possível notar tal intenção observando a maneira como o referido ensaio termina, porque termina apontando para um começo – o começo de uma obra.
Explicado isto, desejamos uma boa leitura de "A dúvida de Salomão e outros ensaios".

O Autor
14-04-2018.





quinta-feira, 12 de abril de 2018

Justiça retributiva ou Graça imerecida: preleções sobre o Livro do Profeta Isaías



Isaías 61,2: “A apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os tristes”.

É incrível a poesia e sutileza das palavras que inauguram o capítulo 61 do livro do profeta Isaias. Mas queremos deter nossa atenção apenas no versículo 2, e dentro deste, no trecho em que o profeta anuncia o dia da vingança de Deus, Deus este, que Isaías chama de nosso.
Não foi por acaso que escolhemos tratar deste verso – um verso que anuncia a vingança de Deus.  É muito comum ouvirmos pessoas religiosas apregoando um Deus punitivo, que está sempre pronto a vingar-se dos ímpios. Tais pessoas falam em alto e bom som: “veja o que aconteceu a este homem – disse que nem mesmo Deus poderia afundar a embarcação, pois não é que ela afundou!”, “ veja este estelionatário, agora na sarjeta, foi a mão punitiva de Deus”,  “veja aquela mulher promíscua, contraiu uma doença grave, é a mão pesada de Deus”.
Diante de tais falas, nós, por costume do ofício, somos obrigados a dar um passo atrás e perguntar: será que um Deus assim merece ser adorado e servido?
Deixemos por enquanto suspensa a pergunta e prossigamos com nossa investigação do versículo em questão. No Evangelho Segundo Lucas 4, 17-19, diz-se que Jesus levantou-se na sinagoga e leu o livro de Isaías 61, porém, Jesus pára a leitura antes de mencionar o dia da vingança do Senhor. Jesus cessa a leitura mencionando o ano aceitável do Senhor e não o dia da vingança.
Percebemos uma mudança de tom no que Isaías diz no capítulo 61 da maneira como Jesus o lê na sinagoga. Isaías começa falando de alívio, socorro e bonança ao povo de Deus, mas termina falando de justiça e vingança aos infiéis. Jesus, ao contrário, fala apenas de socorro, alívio, bonança e Graça. O Deus de Isaías é um Deus vingativo, tal como muitas pessoas hoje em dia creem que Ele seja. Jeová tem prazer na vingança e na morte do ímpio. O Deus de Jesus, ao contrário, não gosta de vingança, mas fala sempre de bonança, vida e Graça. Em última instância, Ele está disposto a encarnar na forma humana e deixar-se conduzir até à morte de cruz (para que mais nenhum inocente tenha que pagar com sangue). E, ainda na cruz, Deus na forma de homem, perdoa a todos.
O Deus de Jesus não opera segundo a justiça retributiva. Não é um toma lá dá cá.  Deus não age assim. Pelo contrário: sendo nós pecadores, devemos agradecer a Deus, que não nos trata como merecemos. Deus nos trata com generosidade, perdão e Graça. Pois se Deus nos tratasse segundo nossas obras – segundo o que merecemos – cairia fogo do céu. Porém, como é sabido, quando os discípulos não foram bem recebidos num certo povoado samaritano, perguntaram se Jesus queria que fizessem cair fogo do céu, Jesus não autorizou. Dizendo que ele não veio destruir, mas restaurar a saúde[1]. 
O Deus de Jesus age motivado não pela justiça ou merecimento das pessoas, mas age por Graça, bonança e generosidade. Dá de si e se doa mesmo que não mereçamos. Dá de graça. Dá porque tem alegria em dar, em presentear. Mas se Deus é assim e age com tanto amor gratuito e imerecido, porque nós estamos sempre buscando indícios de vingança nos acontecimentos cotidianos? Seja para amedrontar os outros ou para nos amedrontar?
Queremos dizer agora, que o fato da embarcação ter afundado não teve nada a ver com Deus; e se o estelionatário caiu na sarjeta isto também não tem a ver com Deus; tampouco a mulher dada à promiscuidade e que ficou gravemente enferma, assim ficou por outra causa que não teve nada a ver com Deus.
Ora, somente alguém que precisa afirmar constantemente seu ego estaria preocupado em mostrar a essas pessoas com quem elas estavam se metendo. Somente alguém cujo ego é inflado se preocuparia em por cada uma delas em seu lugar. Mas o Deus que Jesus nos apresenta é um Deus que, após ter encarnado e ter sido crucificado, esvaziou-se de si mesmo – esvaziou-se do falso ego. A partir e com Jesus, Deus não precisa mais afirmar-se, pois Ele voluntariamente esvaziou-se. Deus não tem mais aquela necessidade de auto-afirmação. Ao contrário, o Deus de Jesus é um Deus que se nega a si mesmo, que se esvazia e que se “afasta” para humildemente dar espaço para que sejamos quem nós realmente somos. O ego ocupa lugar, o ego se esparrama, por assim dizer. Por isso que gente egoísta está sempre perto das luzes dos holofotes (se auto-afirmando), assim também se dá com um deus vingativo: a qualquer falha dos “atores” Ele intervém com fúria, indo para perto dos holofotes. Um deus assim, que precisa sempre se auto-afirmar está inflado e cheio de ego(ismo). Mas o Deus de Jesus se esvaziou e se humilhou, encolhendo-se para dar espaço ao homem, deixando que cada um use seu livre-arbítrio como bem quiser.
Explicado tudo isto, podemos responder agora a pergunta outrora deixada em suspenso: será que um Deus vingativo merece ser adorado e servido? Bem... não podemos responder por todos, mas no que nos diz respeito, diremos que não. Um Deus vingativo não merece ser nem adorado nem servido. E encadearemos alguns argumentos que justifiquem nossa resposta: (i) primeiro, porque assim como as crianças, cheias de ego, só um deus infantil e ego(ísta) sentiria necessidade de se auto-afirmar a todo o momento que fosse contrariado, (ii) segundo, porque um deus vingativo se parece muito mais com o diabo do que com o Pai celestial e (iii) terceiro, porque se nos curvarmos a um deus assim, pode ser que ele peça coisas de nós para realizar seus próprios caprichos e não para o nosso bem ou o bem comum.
Um deus punitivo parece pensar estar lidando com fantoches e não com seres humanos. Se tal deus exigisse reverência, nós nos insurgiríamos contra ele, pois tal, não passa de um ídolo. E aqui chegamos ao ponto final deste sermão: o deus vingativo não é Deus-Pai, mas é um ídolo. Um ídolo não é apenas uma imagem de pedra ou madeira, esculpida, mas é também a imagem interna que fazemos sobre o Deus-invisível. Logo que formamos para Deus uma imagem em nossas mentes, ele deixa de ser Mistério Infinito, Invisível, e se torna algo que pode ser definido, mexido e com o qual podemos mexer e manipular. Torna-se um ídolo. E geralmente criamos ídolos à nossa imagem.
Ora, nós queremos com isso dizer que, quando procuramos indícios de um deus vingativo no dia-a-dia, é porque o sentimento de vingança – que atribuímos aos eventos – não está lá fora, nos eventos,  mas aqui dentro do coração. O deus vingativo é o nosso ídolo e projetamos nele nossa imagem – projetamos em Deus, porque não temos coragem de assumir nossos sentimentos de vingança[2].
Está mais do que na hora de quebrarmos os ídolos para adorar o único que merece adoração: o Deus-Pai, Pai de amor e graça incondicional. Aquele que não nos trata e não trata a nosso vizinho, segundo o que merecemos, antes, nos trata com generosidade e Graça. Porque Deus é amor, e quem não ama (mas anseia por vingança) não conhece a Deus, sendo antes de tudo, um idólatra.
Mas o amor de Deus é radical – nos alcança onde estivermos. A Graça de Deus é radical – nos alcança mesmo que não a mereçamos. Devemos, portanto, desejar não a punição dos ímpios, mas o amor generoso, o mesmo amor que Deus nos oferece apesar de não o merecermos. Para que a graça radical do Senhor se estenda a todos, bons e maus[3], da mesma forma que nos alcançou. Terminando o sermão não como Isaías que apregoa a vingança do Senhor, mas como Jesus que anuncia Seu ano aceitável. O ano aceitável para oferecermos a Deus nossos corações, nossa gratidão e nossa vida oferecida num altar de perdão e de amor ao próximo[4]. No altar do Deus-Pai de Jesus, ninguém precisa morrer, ninguém é sacrificado, mas todos são restaurados em saúde – salvos, curados e integrados.  Integrados em suas partes quebrantadas e integrados à comunidade na qual vissem e professam sua fé.





[1] A palavra original está como salvação. Ocorre que, para a igreja latina, salvação era a vida pós-morte corporal, mas para a igreja grega salvação significava saúde. E nós usamos aqui o termo salvação como saúde.  Salvar um homem significa restabelecer-lhe a saúde: saúde corporal, emocional, espiritual enfim, todas as formas possíveis de saúde.
[2] Percebemos aqui que toda a forma de teologia é uma antropologia. Que ao tentarmos compreender quem Deus é, compreendemos quem nós somos. Se eu creio num Deus vingativo, é porque eu sou vingativo, mas se eu creio num Deus de perdão, é muito provável que eu seja uma pessoa que perdoa facilmente as ofensas. Teologia é antropologia. Todas as afirmações que fazemos sobre Deus, podem ser na verdade, afirmações sobre quem somos. Quem eu digo que é o meu Deus, pode ser na verdade, quem eu sou – a projeção dos meus desejos mais secretos e escondidos.
[3] Usamos aqui ‘bons e maus’ por uma questão de fluência, quando queríamos na verdade usar ‘maus e não tão maus’, afinal, todos somos maus e filhos de Adão.
[4] O próximo como Kierkegaard nos ensina, é justamente o que está próximo (fisicamente próximo). O próximo é simplesmente quem está próximo, independente de quem seja.

Por que estudar filosofia?



Muito embora a literatura de sabedoria afirme que o muito estudar esgote qualquer um[1], todavia, nada contribui melhor para uma boa vida que os estudos. Se por um lado o homem amadurece graças à sua experiência de vida, por outro, se tem o privilégio de estudar enquanto vive suas experiências, terá o caminho encurtado. O estudo lhe dará muitos atalhos.
Um jovem que, por exemplo, ao viver seu primeiro amor, está ao mesmo tempo a ler O Banquete de Platão e a refletir, retirará de sua experiência amorosa algo mais sólido para a vida e, quer o amor perdure ou acabe, sairá dele sabendo mais sobre o amor do que alguém que, ao experimentá-lo não teve a oportunidade de ler e “conversar” com Platão – que lhe dava conselhos.
O jovem adulto que está se tornando empreendedor, retirará maior proveito de seu investimento ao ler as Sagradas Escrituras ou os estoicos, e assim observar como o dinheiro é mencionado e como a relação com ele pode transformar o coração do homem. Assim aprenderá muito mais sobre o dinheiro do que apenas ganhando-o e gastando-o
Se for, porém, o caso de um aspirante à atleta, o jovem tomará atalhos ao estudar a história da Grécia e de como as olimpíadas surgiram em Atenas. Tomará um grande atalho ao ter nas mãos A República de Platão, que lhe advertirá a necessidade de cuidar tanto do corpo como da mente, sendo ambos indispensáveis à boa saúde. A leitura dos clássicos junto aos exercícios físicos o salvará de muitas ciladas, tais como o uso indevido de anabolizantes ou mesmo o abuso dos limites corporais para além do suportável. O livrará de cuidar só do corpo, lembrando que se tiver a mente enriquecida, poderá otimizar o bom uso das habilidades corporais e vice-versa.
Haverá ainda um jovem vocacionado que aspire à vida religiosa. Um jovem comum entraria pela porta das instituições autorizadas a falar de Deus e poderia se perder, sem um critério para julgar aquilo que os diretores espirituais estão a pregar. Há pregadores que transformaram Deus numa máquina de fazer dinheiro, outros transformaram a Igreja num mercado, prestando atenção nas metas e na técnica de fazer o salão encher; outros ainda, induzirão os jovens a doar todas as suas posses ou a crer cegamente em tudo o que é dito ali. Porém, se tal jovem ao ter seus primeiros contatos com a religião organizada – seja ela qual for – estiver lendo os comentários de Orígenes, os autores medievais como Pelágio, os cátaros, Valdenses, as 95 teses de Lutero, O Túmulo do Fanatismo de Voltaire, ele terá em suas mãos diversas lentes com as quais poderá enxergar a religião sob diversos aspectos.
Poderá perceber nas igrejas pentecostais traços do platonismo e da demonização do mundo sensível. Poderá se deparar com a fé cega e literal de algumas instituições religiosas, preferindo interpretar as Escrituras de um modo mais livre e alegórico. Talvez perceba que o homem não precisa de mediação eclesiástica para se achegar a Deus, tal como Lutero ensinou. Mas para que tal jovem se aperceba destas coisas é preciso que ele leia por sua própria conta e não, com a orientação dos ministros de cada igreja, pois os ministros terão sempre a tendência de ler as Escrituras de maneira a confirmar a sua crença. E, o jovem lendo os filósofos por si mesmo, ainda que sem tantos recursos conceituais, acabará por formar sua própria visão das religiões e do mundo. Vê-se que, com o estudo de filosofia, o jovem pode obter uma dúvida saudável e escapar do legalismo e do fanatismo. Ele poderá adotar o caminho do meio, balançando entre a duvida e a fé. Mas, alguém objetará: não poderá ele se tornar um cético e descrente? Ao que responderemos prontamente: quem na sociedade se mostra cometendo as maiores crueldades – um religioso fanático ou um cético descrente? Cada um que dê aqui sua própria resposta.
E assim como estes exemplos e aspectos da vida – amor, dinheiro, esportes e religião – muitos outros poderiam ser mencionados e esmiuçados, mostrando que é melhor perder tempo estudando filosofia e conversando com os mortos – Platão, Aristóteles, Sêneca, Montaigne, Voltaire – do que perder tempo conversando com tolos que além de não terem nada a dizer, acham que sabem tudo. É melhor perder tempo estudando filosofia do que perder tempo de vida. Mas se alguém mostrar todo seu conforto e fortuna a um jovem que, ao tempo de suas experiências pessoais também refletia e escutava os grandes filósofos, o mesmo concluirá que este que lhe fala é um grande exibido e idiota.
É preciso perder tempo estudando filosofia para que ao amar, não se passe de um amor a outro sem a devida reflexão, pois pode ser que mesmo velho, tal pessoa tenha colecionado mil mulheres em sua lista, mas nunca tenha compreendido e aprofundado uma relação de amor. Para que saiba diferenciar eros de philia[2] e não se confunda facilmente sobre o que sente por isto ou aquilo. Saiba discernir sobre suas afecções, isto é, aquilo que lhe afeta.
Em certa cidade havia um velho rico, que apesar de toda sua riqueza vivia solitário e seus parentes aguardavam por sua morte para herdar seus bens. A vida deste homem foi de muito trabalho e jamais sossegou. Quando enfim se aposentou, não teve afeto dos parentes, pelo contrário, mais desassossego. Se tivesse perdido um dia para meditar sobre o dinheiro, não teria amontoado tanto e teria tido paz de espírito. Estudando filosofia não gastaria a vida tentando enriquecer e possuir mais do que precisa. Porque saberia que o dinheiro só serve até certa medida e que o dinheiro além de servir apenas até um ponto, pode ser perdido e recuperado, mas o tempo que se gasta tentando ganhá-lo, este sim, perde-se para sempre. Ademais, se alguém quer dinheiro – seja parente ou amigo – que vá trabalhar.
Enfim, isso poderia ser dito de muitos modos, mas o fato é que: é preciso perder tempo estudando filosofia, mesmo ela não proporcionando grandes recursos ou conforto. Pois o conforto que a filosofia traz não se pode mensurar com uma régua ou no saldo bancário, mas é o conforto da ataraxia, da ausência de perturbação, de saber-se o que é cada coisa, classificando cada coisa e colocando-a em seu justo lugar. O dinheiro no lugar que lhe é justo, o amor no seu lugar, a religião e a dúvida também no seu justo lugar. Obter discernimento e colocar cada coisa em seu justo lugar é um exercício não apenas de direito, mas também de lógica[3]. Assim foi que Aristóteles ensinou a classificar as coisas em gênero e espécie[4].
É preciso perder tempo estudando filosofia para não perder tempo de vida, gastando-a inutilmente.



[1] Eclesiastes 12, 12-13. Bíblia A Mensagem.
[2] Eros – amor de amante. Amor erótico. Philia – amor de amigo, amizade.
[3] Lógica é a parte da filosofia que ensina sobre o correto pensar. Muitos acham que qualquer um pode ser filósofo, mas a verdade é que: muitos podem pensar, todavia, só um filósofo conhece as regras para o correto pensar. Evitando as falácias e armadilhas de tolos ou espertalhões.
[4] O autor se refere ao Organon, de Aristóteles.

Sobre o sêmen e os afetos (ou, sobre nossa sociedade hiperssexualizada)



Para quem conhece um pouco de história, é ponto pacífico que o fenômeno de uma sociedade hiperssexualizada é coisa recente, tendo pouco menos de cem anos. Mas, ao contrário do que parecia prometer, uma sociedade assim – aonde tira-se a roupa antes de se tirarem as máscaras – trouxe muito mais ansiedade do que amor e aconchego.
Hoje nós temos a possibilidade de flertar com quem quisermos e de fazer sexo com quem quisermos (desde que seja consensual de ambas as partes). Podemos transar com várias pessoas durante uma semana ou quem sabe num único dia.  Então, a rigor, podemos depositar o sêmen várias vezes e em diferentes lugares, a depender de nossa volúpia e, se não quisermos ter filhos, basta que o despejemos nos envoltórios penianos próprios para isto[1]. Mas para quem conhece minimamente a ciência da biologia, saberá que o sêmen fabricado pelo corpo masculino precisa ser expurgado, e que tal ato é puramente biológico, tendo mais a ver com as necessidades básicas de comer, beber e abrigar-se, que com qualquer outra coisa. Evitarei aqui, entretanto, falar das necessidades femininas, deixando o assunto às próprias mulheres e aos especialistas no assunto.
O que se dá, é que, todo homem, assim como todo animal, precisa esvaziar os bagos de quando em quando, da mesma forma que precisa comer, beber e abrigar-se. Sendo o ato de cuspir o sêmen para fora, um ato mais assemelhado à biologia e às necessidades básicas de sobrevivência. Todavia, quem possui um conhecimento parco de psicologia reconhecerá facilmente o que diremos a seguir: uma vez satisfeita as necessidades biológicas e básicas, o indivíduo buscará satisfazer as necessidades psicológicas de auto-estima e afeto[2].
Ora, se a necessidade de cuspir o sêmen fora é a rigor uma necessidade fisiológica, ela está na base das necessidades humanas. Um cão ou um coelho fazem o mesmo sem maiores problemas. Então, se podemos aliviar os bagos, porque ainda assim não nos contentamos tal como os demais animais que o fazem e ficam satisfeitos? Talvez porque acima das necessidades fisiológicas pairam as necessidades psicológicas de estima, aconchego e afeto.
A rigor podemos cuspir o sêmen fora aonde quisermos, mas não são em todos os “lugares” aonde o cuspirmos, que encontraremos aconchego e afeto. No fundo, estamos buscando uma coisa, mas fazendo outra. Isto porque o anseio por aconchego e afeto é uma necessidade muito mais profunda do que a necessidade de sexo. Sexo, assim como comida, nós podemos encontrar em muitos lugares, mas afeto não. Afeto é ainda mais escasso que comida, pão, leite (e sexo). É por isto que encontramos pessoas afirmando que transam com uma pessoa enquanto estão na verdade, pensando em outra; e pessoas que afirmam não querer transar com esta mas sim com aquela. Se alguém dissesse a outro: se você não tem mais a Vanessa, transe com Maria. Tal afirmação seria no mínimo absurda, para não dizer grosseira. A pessoa que quer transar com Vanessa não espera só uma cópula, não quer apenas cuspir o sêmen fora, mas quer seu afeto. Por isso, nenhuma outra pessoa pode lhe substituir.
 Agora podemos perceber o grande equívoco a que nos levou nossa sociedade hiperssexualizada – prometendo-nos prazer sem medida, deu-nos mil e uma frustrações. Mil e uma que na verdade se traduzem em uma única e grande frustração: ter a cama cheia, mas o coração vazio.
Seria melhor ter a cama vazia e o coração cheio de afeto e espirituosidade, tal como aqueles que, renunciando a vida sexual, optaram por servir suas comunidades. Tais homens, possuem o coração cheio de afeto e estima, pois a comunidade os estima; porém, têm a cama vazia, não a repartindo com ninguém. Contudo, alguém objetará de que um homem não pode viver sem sexo e que isso é impossível, logo, tal homem seria um mentiroso. Ao que nós aconselharíamos a este que assim fala, a que estudasse um pouco mais. Pois um homem pode muito bem viver sem sexo, desde que sozinho, alivie regularmente suas necessidades (do mesmo modo que alivia a fome e a sede). O que, porém, é de fato impossível – tanto ao homem quanto ao animal – é viver sem afeto.
Afeto é, senão a maior, uma das maiores necessidades do homem. É sua necessidade mais profunda. Sem afeto, aconchego, amor, o homem míngua e morre.  Arriscaríamos dizer que, afeto é mais importante que comida. Um homem que esteja mal nutrido de arroz e feijão, mas que tenha muito afeto, superará a falta de alimento, mas um homem que tenha a dispensa cheia e não tenha afeto, aos poucos morrerá. Poderá ter problemas de ordem psíquica e poderá até mesmo convalescer fisicamente. Vê-se que a pouca provisão de alimentos é suportada com maior facilidade que a pouca provisão de amor. A falta de amor mata mais que a falta de comida. E, não obstante, é mais difícil encontrar fontes de amor que fontes de comida. Especialmente nos dias de hoje, onde tudo é posto nas vitrines do mercado.
Então, embora alguns separem amor de sexo, dizendo que o primeiro é psicológico e o outro biológico e, que o primeiro é baseado no impulso de atração e o segundo no impulso de agressão, como se os dois pudessem funcionar separadamente, nós discordamos! Caso se separe sexo de amor, a personalidade daquele que prática ora sexo, ora amor, estará sempre carente e perturbada de algum modo. Porque quando o homem busca sexo ele quer ter uma experiência profunda de afeto e aconchego e assim, ele deseja também amor. E, quando ele busca amor, ele poderá ter sexo como complementação do sentimento de amor que nutre por aquela pessoa particular.
Então, embora a rigor se possa depositar o sêmen aonde se quiser (desde que seja consensual), isto só trará frustração. Porque até mesmo a pessoa que afirma gostar de sexo pelo sexo, está caindo em seu próprio auto-engano. Pode estar se defendendo da experiência de intimidade ou pode ser um mecanismo de defesa diverso. Desde modo, aconselharíamos que se não se encontrou o amor, não se busque conjunções carnais que mais confundem e causam ansiedade. Buscando ao invés disso, aliviar-se como puder, consciente de ser esta uma necessidade fisiológica que vem e vai, assim como todas as demais. E, se se achou amor, deposite ali o sêmen, pois ali terá não apenas alivio fisiológico temporário, mas afeto e aconchego perenes.
Deposite o sêmen e os afetos num mesmo repositório de amor, não em qualquer lugar, não em qualquer pessoa. Não separe sexo de amor, frustrando-se constantemente, pois quando o ser humano busca sexo, ele busca na verdade, uma experiência profunda de abertura, intimidade e aconchego com o outro. Deposite o sêmen e os afetos numa relação na qual passada a fase erótica, ambos conseguirão construir uma relação de amizade. Porque toda a relação será fugaz, se os amantes não aproveitaram o tempo de Eros para desenvolver amizade. Se não aproveitaram para construir amizade enquanto o fogo da paixão se extinguia. Lembre-se: se a aranha macho soubesse disto, escaparia da viúva-negra e procuraria uma aranha que, embora não tão fogosa, não lhe tirasse a vida e lhe comesse o cadáver; podendo ser sua parceira por toda a vida. Ademais, alguém pode ter o coração cheio e a cama vazia, mas na maioria das vezes uma cama cheia resulta sempre em um coração vazio[3].
Infelizmente nossa sociedade se perdeu.



[1] Envoltórios penianos era o nome antigo que se dava à camisinha.
[2] Sobre isto uma boa referência é  a Pirâmide de Maslow.
[3] Isto sem contar que ter muitos parceiros sexuais equivale a não aprofundar a relação com nenhum deles, logo: coração vazio.

Pare de invejar os ricos!



Não é de hoje que os pobres se queixam de sua condição material e olham para os ricos com certa inveja. Tal sentimento de inveja ensejado no coração dos mais pobres é promovido entre outras coisas, por uma sociedade marcadamente consumista e pela grande mídia que exalta ricos e celebridades ao invés de exaltar pessoas exemplares em matéria de moral, arte, ciência ou conduta. Mas deixe-nos inverter por um momento o raciocínio para mostrar que o pobre não deve invejar o rico em nada, muito pelo contrário, é o rico quem deveria invejar-se do pobre (não o fazendo por causa de sua cegueira emocional). Ou, se pudéssemos dizer de outro modo: deixe-nos mostrar como o castigo dos ricos é a própria vida que eles levam.
Tendemos a olhar as pessoas de posses como favorecidas, como tendo mais possibilidades de escolhas e tendo os desejos prontamente atendidos. É evidente que precisamos de dinheiro, sendo este o meio de troca entre os homens desde a antiguidade. E é evidente que certa providencia em dinheiro nos tira de muitos apuros e necessidades. Entretanto, quando se tem os desejos assim, prontamente atendidos, ocorre que o espaço entre desejo e satisfação é sobremodo encurtado, tal como a pele de onagro que encolhia a cada desejo realizado por seu dono[1]. E, se o espaço entre desejo e satisfação é encurtado, o esforço também o é, a reflexão, as estratégias para se obter isto ou aquilo e enfim, a vida toda é encurtada, pois quando se banaliza o desejo e a experiência de satisfazê-lo, empobrece-se a vida. Talvez esta seja uma possível interpretação do que o autor quis mostrar em sua estória onde a pele de onagro realizaria todo e qualquer desejo de seu dono, encolhendo a cada desejo e, cujo comprimento era o mesmo que a extensão da vida de seu possuidor.  Todo desejo tão prontamente desejado e satisfeito, encurtava a vida do dono da pele de onagro, talvez esta sim, símbolo da banalização do desejo e do empobrecimento da vida – de uma vida que vive de saciar cada desejo sem comprometimento com o tempo necessário à sua conquista, reflexão e ponderação. No fim da vida, ou melhor, no fim da pele de onagro, o dono de certo teria satisfeito muitos desejos, apesar de não tê-los experimentado profundamente, pois passava de um desejo a outro tal como uma cadela no cio – sem ponderação, sem interiorização e sem reflexão.
Seria melhor se esse tal homem, dono da pele de onagro, não tivesse realizado todos os desejos, se frustrado algumas vezes, ou mesmo que queimasse a pele e a jogasse fora, para então experimentar a vida como um homem comum. Porque um homem comum é mais capaz de ter experiências profundas do que um homem rico. Um homem comum, ao ver frustrado algum desejo, tem a oportunidade de voltar-se para dentro de si, em reflexão e, com o objetivo de ver o que deu errado, acaba por descobrir facetas de vida interior outrora desconhecidas e despercebidas. E, quando realiza algum desejo, este não se deu num estalar de dedos, mas levou tempo, houve um empenho e um processo para a satisfação do desejo. Neste processo, tal homem também teve oportunidade de fazer um mergulho e enriquecer-se de vida interior, tendo uma experiência rica e profunda (não uma experiência rasa e de estalar de dedos).
Outra crítica à inveja que se pode cultivar dos ricos, é a de que, se ele enriqueceu ilicitamente, pode até ter muitos bens, carros e mansões, mas sua vida emocional é sem sombra de dúvidas uma vida precária. Vive de esconder-se por causa das falcatruas que cometeu para enriquecer seus cofres, a desconfiança está estampada em seu rosto – pois teme perder o que injustamente ganhou –, está sempre aflito e com medo dos que o cercam, testando para ver se aproximam-se dele por afeto ou interesse –, tem rabo preso com outros corruptos como ele, e vive uma vida que apesar do conforto material o joga mais e mais para a solidão. Porque não basta estar no meio de muita gente para não estar sozinho. Estar sozinho significa não ter relacionamentos de intimidade verdadeira, não poder ser aquilo que se é na frente dos outros. Um homem assim é um homem solitário.
Tanto no primeiro caso – o do rico que tem prontamente seus desejos satisfeitos – como no segundo caso – o do rico que enriquece injustamente com dano do pobre – em ambos, vê-se que a vida do rico, além de não ser em nada invejável (a não ser no suposto conforto material; e este é sempre relativo), é acima de tudo uma vida atribulada. O rico vive uma vida insalubre do ponto de vista emocional: aflito, desconfiado, plantando artimanhas, engambelando, desejando sem ter o tempo necessário para aprofundar a experiência de desejo-empenho-satisfação. A vida do rico deveria assim, ser desprezada como a pior das vidas possíveis.
Mas alguns de vocês perguntarão: e o rico honesto? Aquele que enriquece de maneira digna e justa, às custas do próprio trabalho? Bem,... neste caso, ele não sofre dos problemas relatados no segundo caso, porque sua vida emocional não está comprometida. Ele não vive em meio a falcatruas, rabos presos e artimanhas. Ele tem pessoas e amigos aos quais pode abrir-se para dar e receber afeto. Não afeto em troca deste ou daquele favor, mas afeto por causa do afeto mesmo, por causa de quem se é. As pessoas o amam por sua causa mesma e não por causa do que ele pode oferecer em troca. Porém, este homem ainda tem consigo o problema descrito no primeiro caso: seus desejos podem ser imediatamente satisfeitos sem que ele tenha o devido tempo para aprofundar a experiência desejo-empenho-satisfação. Mas suponhamos que tal homem rico tenha vindo da pobreza e batalhado muito para chegar a ser rico. Neste caso, ele já conhece um bocado da experiência de desejar, empenhar-se e satisfazer-se. Ele, por meio de lutas e frustrações passadas, já possui um pouco de vida reflexiva e vida interior. Agora pode dar-se ao luxo de ter os desejos satisfeitos ao estalar de dedos. Mesmo aí, tal homem rico e honesto, corre o risco de dada as mordomias que merecidamente adquiriu, se esqueça de como é rica a espera e o esforço dirigido a cada desejo. É um risco que ele corre e precisa montar alguma estratégia para que a posse das riquezas não subtraia de si a sabedoria que ele adquiriu para chegar até aqui, pois não são poucos os homens que, esquecendo-se as durezas do passado, tornaram-se tolos.
Mas imaginemos que tal homem tenha herdado toda a fortuna que possui. Ele não sabe o que é ganhar e nem perder. Ele é um inexperiente no que se refere ao mercado.  Não conhece a arte da barganha e não entende de pesos e contrapesos. Nada sabe sobre inflação, flutuação da moeda ou taxas de impostos sobre produto. Logo, este homem tem o problema do primeiro caso – desejos satisfeitos num estalar de dedos – e, embora não tenha os problemas do segundo caso, pois não teve que se enrolar para angariar bens, deverá aprender logo a administrar sua poupança para não vir à falência. Precisará ter um administrador fiel em quem possa confiar, dado que ele mesmo possui pouca experiência nisso. Tão logo herde a herança se verá angustiado, esforçando-se por enxergar o propósito de cada pessoa que se lhe aproxima. A angústia entrará em sua alma tal como ave de rapina. Melhor seria se ele não houvesse herdado tamanha fortuna ou se abrisse mão daquilo que lhe excedesse às necessidades fundamentais.
Até aqui tentamos mostrar que a inveja que porventura se possa nutrir em relação aos ricos é, na maioria das vezes, infundada. Na maioria das vezes os ricos não são pessoas felizes e, em algumas delas são até mesmo desafortunados, atribulados e infelizes. Entretanto, há uma espécie de rico a quem se deve admirar:[2] o rico que, a despeito de toda a sua riqueza, sabe colocá-la em seu devido lugar. Mas não imaginem que falamos do bolso.
O lugar da riqueza não é acima das demais pessoas. O lugar da riqueza não é no coração. A riqueza não serve para oprimir, mas seu lugar é o de servir. A riqueza não é só para um, mas para o bem da maior quantidade de pessoas possíveis.  
O homem rico precisa ter uma hierarquia de valores, e só aí saberá colocar o dinheiro em seu merecido lugar. A riqueza tem sim, um devido e merecido lugar, porém colocá-la num pedestal é cometer injustiça. O lugar justo da riqueza é o de servir às necessidades do homem que a detém, mas é também o de abençoar o maior número de pessoas que puder, é o lugar do re-partir e do com-partilhar.
O homem que, embora rico e, embora aumentando ainda sua riqueza, sabe seu devido lugar, tem uma vida admirável, mas o que sendo rico, não põe a riqueza em seu devido lugar, além de cometer injustiça, será afligido por todas as durezas descritas neste breve ensaio. Isto não é praga, mas a constatação de quem viveu e viu muitas coisas.
Ademais, a equação é muito simples: ou se escolhe o dinheiro ou a Deus, ou Deus ou Mamom[3]. Para sermos mais claros: ou se escolhe o dinheiro ou se escolhe relacionamentos pessoais. Não é raro ver um rico que a despeito de toda sua riqueza está só e se queixa, e um pobre que apesar de sua pobreza está rodeado de amigos. O rico insensato perdeu a leveza e não pode mais rir, mas ao pobre, toda a sutileza lhe provoca riso. Além de saber o que é solidariedade, pois sempre alguém menos pobre que ele vem lhe socorrer.
Por tudo isto, achamos que a maioria dos ricos têm uma vida muito dura. Ao invés de inveja, devíamos dirigir-lhes compaixão e, caso queiram, dirigir-lhes conselhos para o bem viver. Caso não aceitem conselhos, não lhes devemos querer mal, afinal, eles já tem sofrido demais nesta vida.



[1] Referência à Balzac em A Pele de Onagro. O romance conta que havia uma pela de onagro, capaz de satisfazer todos os desejos de seu dono, mas que a cada desejo satisfeito, ela encolhia. E, quando finalmente encolhesse ao ponto de extinguir-se, a vida de seu dono também terminaria. Talvez Balzac estivesse alertando para o perigo de satisfazer todos os nossos desejos, pois como não sabemos desejar, acabaremos mais cedo ou mais tarde, indo em direção à morte.
[2] Note que o autor utiliza o termo admirar e não invejar. A palavra inveja vem do latim invidere que significa “não ver”. Logo, o invejoso é aquele que não vê ou não quer ver os méritos dos outros para que tenham aquilo que tem. Pior, o invejoso é aquele que não vê ou não quer ver aquilo que ele mesmo possui: tanto materiais quanto espirituais como talentos e habilidades. A admiração, por sua vez, caminha no sentido oposto, vendo e enxergando o mérito das outras pessoas e, por isso mesmo, respeitando-as e admirando-as. Outrossim, segundo Aristóteles, a admiração é o princípio da filosofia.
[3] Mateus 6,24. Mamom é um dos sete príncipes do inferno que simbolizam o deus-dinheiro. Jesus estava querendo dizer que o altar é um só, e que ou colocamos Deus no altar ou colocamos Mamom (o dinheiro). E como amar a Deus equivale a amar ao próximo, amar ao dinheiro equivale a ser indiferente ao próximo. Ou se serve a Deus e ao próximo, ou à Mamom e aos interesses egoístas do dinheiro.

Como ensinar os jovens a andar pela cidade



Quando os meninos crescem, tornando-se jovens, querem logo explorar o ambiente aonde vivem – seja campo ou cidade. Seus pais geralmente preocupam-se muito mais com o roteiro por onde passarão que com qualquer outra coisa. Entretanto, existe algo infinitamente mais importante que o trajeto e suas possíveis complicações. Ora, pouco se pensa sobre isto, mas toda a cidade possui uma espécie de alma, ou melhor, um rosto.
O rosto da cidade em geral possui as expressões das pessoas que habitam, vivem e se movem nela. Imaginemos por exemplo, os prédios cheios de grades e câmeras de São Paulo ou as avenidas abertas para a maior circulação possível de carros. As periferias com esgotos ao céu aberto e os muros pichados. As igrejas e os bordéis. Tudo em uma cidade revela seu rosto e o rosto daqueles que moram nela. Toda sua arquitetura lhe revela o rosto. Por exemplo: quando vemos os prédios com câmeras e grades, vemos um rosto amedrontado – é o rosto dos moradores do prédio, mas é também o rosto da cidade. As largas avenidas revelam um rosto aflito e ansioso, cheio de pressa. O esgoto e as pichações revelam um rosto em agonia, que grita. Talvez o grito da periferia ou o grito do deserto. As igrejas revelam um rosto que apesar de tudo ainda busca a quietude e a paz, um rosto que apesar das expressões de medo, aflição e ansiedade, ainda encontra espaço para aquietar-se e relaxar as feições carregadas do rosto. E o bordel, em contraste, revela um rosto cheio de malícia e sedução. Talvez até de barganha e esperteza.
Por tudo isto, quando nossos jovens começarem a circular pela cidade, importa que eles saibam o trajeto – para que não estejam num parque a contemplar um rosto feliz – e caiam sem aviso num beco – vendo o rosto se desfigurar em terror e violência. Porém, mais importante que o trajeto é ensiná-los a ver, através das construções arquitetônicas, dos parques, jardins, esgotos, igrejas..., o rosto da cidade. É reconhecendo o rosto da cidade que saberão melhor como por ela se deve caminhar. E, talvez mais tarde perceberão, que ao terem estado muito tempo numa determinada cidade, seus próprios rostos acabarão por refletir-lhe a alma. A alma, isto é, o rosto da cidade, vai sendo impresso no rosto dos indivíduos que vivem nela.
Outrossim, é preciso ir além, a contemplar não só as expressões arquitetônicas e afins, mas enxergar o interior das instituições pelas quais os homens precisam necessariamente passar a fim de viver e sobreviver nela. Numa cidade grande como São Paulo existem igrejas, escolas, Bancos, presídios, ONGs, empresas e uma infinidade de instituições. Tendo uma vez conseguido contemplar o rosto da cidade por meio das formas exteriores de sua arquitetura e urbanismo, é preciso ir mais fundo, e contemplar-lhe a alma – aquilo que o rosto tenta sempre dissimular de alguma forma. Talvez, ao penetrar não no rosto, mas na alma da cidade, fiquemos perplexos com tamanha complexidade e ambiguidade: as ONGs revelarão uma alma compassiva e cooperativa e ao mesmo tempo algo de sórdido – tal ambiguidade muito natural em todos nós, que temos qualidades e defeitos; as empresas revelarão a alma da competição brutal e da falta de empatia; os Bancos revelarão a esperteza e o abuso do pobre; os jardins revelarão um espaço intocado, virgem e dado por Deus. Neste jardim, lugar isolado, talvez encontremos o rosto do amor incondicional de Deus, tal como um anjo que olha a todos amorosamente, independente de quem seja, sem distinção, ao passo que na cidade o amor é sempre imperfeito e condicionado por aquilo que se pode dar ou oferecer.
Uma cidade praiana terá um rosto distinto de uma feita de pedras. Uma cidade grande terá um rosto distinto de uma cidade pequena. E assim como nos homens, o rosto acabará sempre por imprimir nas feições a alma do indivíduo, nas cidades ocorre o mesmo: a cidade acaba por imprimir em sua arquitetura e urbanismo o rosto da cidade. Pode ser um rosto temeroso, aflito ou alegre. Nunca só isto, porém, sempre com uma expressão que prevalece, tal como acontece conosco – uma pessoa é conhecida sempre pelo humor, temperamento ou emoção que mais lhe marca, seja a alegria, o amor, a cólera ou a melancolia.
Indo mais além, no interior das instituições, encontraremos a alma da cidade. Tirando-lhe a máscara e as possíveis tentativas de dissimulação do rosto. Isto fica claro ao notarmos que um turista se deixa engambelar facilmente pela dissimulação do rosto da cidade que visita, ao passo que um morador já conhece muito bem a alma da cidade, sabendo de antemão o que é verdade e o que é dissimulação do rosto. Tal como uma pessoa que conhece profundamente a outra, que consegue vê-la através das expressões, mesmo quando expressando uma coisa com as feições, esteja na verdade dizendo outra com a alma.
Ainda pode ser de boa monta, dar livros de história aos jovens, porque ao estudaram sobre Roma, China, cidades medievais, jardins renascentistas, poderão compreender com maior clareza de que o rosto das cidades antigas não é como o rosto das nossas cidades modernas. Talvez elas tivessem um rosto mais calmo e menos ansioso, principalmente nos feudos medievais e nas comunidades agrícolas da China. Talvez tivessem um rosto mais pacífico, dado os jardins neoclássicos do barroco e renascença, que como obras de arte foram podados nos palácios da Europa. Diferente do rosto das grandes metrópoles e de São Paulo – um rosto deveras aflito.
Portanto, ao guiar os jovens pelas cidades, vale mais preocupar-se com mostrar a eles o rosto e depois, a alma da cidade. O trajeto deve ser a última preocupação, porque se os jovens souberem enxergar o rosto da cidade, dificilmente cairão em emboscadas, porém, atentos somente ao trajeto, pode ser que sejam enganados por jardins que são na verdade, covis de lobos.
Sobre este assunto muita coisa poderia ainda ser dita. Deixamos, porém em aberto para que o leitor exercite a imaginação. E que tenha a oportunidade de, se é jovem, tentar enxergar o rosto e a alma de sua cidade e se é velho, ensinar seus filhos.

Heteronomia ou autonomia: preleções sobre as leis e os costumes



Estudando e observando a História, notamos que todas as culturas e povos possuíam um código moral, fosse este religioso ou civil – fosse o código fundado na ideia da existência de um deus ou na ideia de Estado; fosse o código sagrado ou laico.
A necessidade de se ter um código moral para os povos dá-se pela razão de que a maioria das pessoas são confusas quanto ao que se deve ou não fazer. Embora o filósofo tenha afirmado que há um imperativo categórico[1] que nos diz o que é certo e o que é errado fazer, não obstante, existem muitos fatos que se bem argumentados, provariam justamente o contrário.  Há até mesmo certas aporias que problematizam o suposto imperativo categórico tornando-o uma pedra de tropeço: (i) um menino está dentro de uma casa em chamas e toda sua família pereceu no incêndio, quando o bombeiro o vê, o menino está encolhido e chora desesperado. Seria correto ao bombeiro se dissesse ao garoto de que sua mãe o espera lá fora, se após muito tentar por outros meios o garoto saísse do perigo iminente? Afinal, nessa hora qual dos valores morais o bombeiro deveria julgar como sendo superior: a honestidade ou a vida? E, mesmo que se decida pela última, não estará ele num conflito e numa aporia? (ii) Outro caso é o de uma mulher velha e feia, carente de amor, que chama o padre e lhe diz “padre, eu sou velha e feia, ninguém me deseja, por caridade, me dê  um pouco de afago e carinho”. O padre tendo ouvido isto deveria seguir o valor da castidade pelo qual vez votos ou o valor da caridade pelo qual também fez votos? Aqui vemos claramente dois exemplos de aporias, aonde nem o bombeiro nem o padre sabem o que fazer, mesmo que consultem seus corações[2]. Conclui-se daqui, que às vezes a faculdade da razão ou o imperativo categórico não são suficientes para que saibamos o que fazer. É por esse motivo que as religiões do Livro possuem cada uma delas um código de leis e costumes – um código exterior e objetivo. É pela mesma razão que as sociedades laicas possuem cada qual seus códigos e costumes – também exteriores e objetivos.
Entretanto, ainda que se tenha um código de leis e costumes exterior e objetivo, o qual pode ser consultado tanto por magistrados como por pessoas comuns, sempre surgirão casos novos para os quais a lei não terá resposta. Em geral, quando tais casos aparecem, consultam-se as leis, e, no caso destas não responderem satisfatoriamente, consultam-se os costumes e casos anteriormente julgados. Porém, se o caso for inteiramente novo e não houver nada que se refira a ele nem nas leis, nem nos costumes, fará necessário que os magistrados se reúnam em assembleia a fim de solucionar o caso em questão.
Nosso objetivo aqui, contudo, não é discorrer sobre o imperativo categórico, tampouco sobre a objetividade das leis e costumes, mas mostrar a razão suficiente ou os benefícios de se ultrapassar o legalismo[3].
Ora, tomemos novamente o caso do bombeiro e do padre. Tomemos outros mais genéricos, como ocorre muitas vezes em nossa sociedade quando nos dizem: é errado fumar, fazer sexo casual, não tratar o corpo quando este for acometido por uma enfermidade e etc. Quando se tem assim, uma cartilha que separa em duas colunas aquilo que devemos fazer daquilo que não devemos, temos aí um empobrecimento da faculdade de julgar. Uma pessoa que segue à risca tal cartilha nunca perceberá o que está por detrás dela. Porque apesar de sempre haver um grupo de pessoas que elaborou a cartilha com interesses muito específicos, há algo mais importante que a referida cartilha no que diz respeito ao correto agir, qual seja: o princípio por detrás de cada ato considerado bom ou mau.
Diante de toda a máxima que nos diz o que deve ou não ser feito precisamos interpela como se ao interpelar a lei, interpelássemos uma pessoa: ó Máxima, dê um passo para lá e deixe-me ver o que está por detrás de você e o que lhe direciona? É preciso que interpelemos a máxima, nos posicionemos diante dela com a pergunta certa: Máxima, o que está por detrás de você e lhe move? Máxima, quais são suas reais motivações? Pois assim como fazemos com os homens quando estes nos dizem uma coisa tendo outra por motivação, assim devemos fazer com as máximas, as leis e os códigos de ética e moral. Na meninice não somos capazes disto, mas tendo alcançado a idade da razão, devemos aprender a tudo investigar e interpelar. É preciso interpelar a máxima como se ela fosse uma pessoa, porque afinal de contas, ela personifica sempre ou uma pessoa (o rei), ou um grupo de pessoas (os governantes, seja de que regime for). Ora, sendo a máxima a personificação de uma pessoa ou um grupo, devemos interpelá-la na qualidade de pessoa (persona). Para que, interpelando-a, consigamos ver através da máscara[4].
Quando, por exemplo, nos dizem de que é errado fazer sexo casual, qual a pergunta que devemos dirigir à Lei? Devemos perguntar-lhe: Máxima, o que está por detrás da ordenança sobre o sexo? Seria a preservação da integridade física e moral ou  algum recalque mesquinho motivado por medo e ojeriza? Talvez surpreendamo-nos de que essa senhora, a Máxima, não saiba responder-nos satisfatoriamente, porque as leis são na maioria das vezes pautas para ser seguidas sem questionamentos. A maioria dos advogados é formado para aplicar as leis. Conhecem-nas a fim de manuseá-las e aplicá-las a favor de seus clientes.
As leis dificilmente perguntam-se sobre si mesmas. É sempre um filósofo, um jus filósofo ou um abelhudo, que pergunta sobre o princípio de aquela lei ter vindo um dia a existir.
Se ao interpelarmo-la chegarmos à conclusão de que o motor da lei e ordenança de não fazer sexo casual é o de preservar a integridade física e moral, poderemos questionar a validade da lei, uma vez que é possível fazer sexo casual e mesmo assim ser respeitoso com os corpos e mentes envolvidos no ato, preservando-lhes a integridade. Neste caso, se abriria uma brecha para a revisão de tal ordenança, sua reformulação ou mesmo alteração. Todavia, se chegarmos à conclusão de que a ordenança não visa à integridade física, mas contempla a taxa de natalidade, novamente teremos uma brecha para a revisão de tal ordenança, pois se o princípio fundante da mesma é a taxa de natalidade, a lei poderia ser alterada para o uso obrigatório de envoltórios penianos[5]. E assim, interpelando a lei sobre diversos aspectos, até que enfim, se encontre o princípio metafísico que fundamenta a existência da lei e, caso não se ache um fundamento que a justifique, haverá então sempre uma brecha para a revisão e alteração da referida lei.
O mesmo ato de interpelar a lei é necessário a outras ordenanças tais como fumar, beber, dirigir e etc. Uma lei ou máxima só será válida tendo justificada sua razão de existir caso ela passe pelo crivo de várias interpelações e sob diversos aspectos. Se se encontrar o princípio metafísico que justifique a mesma, ela permanecerá de pé, caso contrário, abrir-se-á uma brecha para a sua revisão e quiça, alteração ou exclusão.
O que ocorre, porém, é que a maioria de nós não tem o hábito de olhar a lei e os costumes como se fosse uma Pessoa, preferindo segui-la cegamente. Fazemos assim para facilitarmos nossas vidas que não pode ser perdida em querelas e reflexões. É preciso viver e viver nos nossos dias significa produzir a maior quantidade de artigos possíveis no menor espaço de tempo. Todavia, para que se possa ter maior clareza sobre o tema deste ensaio, frisamos a necessidade de tentar imaginar a Lei como uma Pessoa. Mas..., imaginar parece-nos uma pausa demasiado longa para que seja considerado importante. Todavia, é somente quando se pára para imaginar e refletir sobre a imagem que fazemos da lei, que temos a oportunidade de interpelarmos as coisas a ver se elas tem de fato um fundamento e merecem atenção e obediência.
Alguém em sã consciência serviria uma senhora que o maltrata? Ou que lhe diz para fazer algo sem dar-lhe explicação plausível? A menos que se queira defender o emprego e se tenha uma patroa rigorosa, ninguém o faria. E se assim o é, porque obedecemos essa senhora chamada Máxima, Lei, Costume[6], sem interpelá-la pormenorizadamente?
Não queremos com isto, incentivar a sublevação dos ânimos, mas apenas mostrar uma forma de, ultrapassando a dicotomia própria do legalismo, que ordena o que deve e não deve ser feito, a que busquemos por detrás de cada máxima o princípio metafísico que a norteia, a verificar sua validade universal. Se for comprovada sua universalidade, devemos obedecer tal máxima e norma, porém se não o for, devemos seguir mirar por detrás dela – no princípio metafísico que a ordena. Jesus de Nazaré fez isto diversas vezes, desobedecendo à máxima para mirar e obedecer ao princípio metafísico. Jesus curou no sábado, pois compreendia que a vida estava acima do sábado. Jesus comeu com leprosos e prostitutas, julgando que a essência do ser humano está acima das categorias sociais e políticas que ocupam. Jesus deixou-se crucificar, pois compreendia que a Vida como um todo era mais importante que sua vida particular.
Interpelar a máxima e a lei é sempre sair do particular e ir para o geral, sair do particular e ir para o universal, sair do eu e ir para o nós e, abandonar o egolatria[7] e ir em direção a Deus – ao Absoluto.
Portanto, se você olhar à senhora Máxima nos olhos e ela lhe disser o que deve ou não fazer, interpele: mas senhora Máxima, senhora Lei, qual o princípio metafísico que ordena e dá coesão e coerência ao que me ordena? E, se perceber que a Máxima lhe engana, mire sempre o princípio metafísico, para que não erre obedecendo a quem não deve – a uma regra de conduta que nem sempre se harmoniza com o princípio metafísico e universal.
Dado a complexidade do tema, vale à pena tentar resumi-lo mesmo que rapidamente neste penúltimo parágrafo. O primeiro argumento apresentado neste ensaio coloca em xeque o imperativo categórico kantiano, ao afirmar que nem sempre ao buscarmos em nossas faculdades racionais, sabemos a ação correta a ser tomada. Para exemplificar são usados dois exemplos de aporias que demonstram a dificuldade em se tomar decisões baseados na subjetividade da razão, isto é, no juízo particular de cada um, supostamente impresso em todos nós pelo imperativo kantiano. O segundo argumento aponta para as leis e costumes que, não se fiando no juízo de cada indivíduo particular, busca instaurar uma espécie de cartilha que aponta para o correto e incorreto. Porém, mais uma vez, o argumento aponta para os equívocos que podem surgir ao se basear numa cartilha ética. De tal modo que, se por um lado o imperativo categórico não dá conta das aporias sobre o que deve ou não ser feito, não dá conta de todos os casos e eventos nos quais precisamos saber o que é correto, por outro lado, as leis e costumes podem atrofiar o juízo dos indivíduos que, obedecendo cegamente, deixam de enxergar o princípio pelo qual tal lei ou costume veio um dia a existir. E, finalmente, o último argumento aponta para a necessidade de, uma vez superado o imperativo categórico, é preciso superar o legalismo, mirando no princípio metafísico (que fez com que tal e tal lei viesse a existir). Mirando e acertando o princípio metafísico, o indivíduo poderá agir de maneira ética e correta, sem se prender às leis e aos costumes, pois encontrou aquilo que está acima deles e os ordena – o princípio metafísico das leis e costumes. O individuo que supera o imperativo categórico e supera o legalismo, mirando no princípio metafísico, encontrou as condições de possibilidade de se tornar um indivíduo ao mesmo tempo ético e livre.
É o espírito das leis e não a lei, que confere ao indivíduo liberdade e autonomia, como dizia o apóstolo: “(...) pois a letra mata, mas o espírito vivifica”[8]. E o espírito das leis é seu princípio metafísico. Quem encontra o espírito das leis por detrás da letra da lei alcançou liberdade e vida ética. Entretanto, como para encontrar o princípio por detrás de toda e qualquer máxima requer um certo malabarismo e exercício mental, receamos de que este ensaio sirva a apenas uns poucos homens dotados de introspecção e que se comprazem em investigar e meditar dias e noites a fio.  
E, apesar de tudo o que dissemos até aqui, preferimos deixar este ensaio em aberto com o famoso bordão de Sócrates e Montaigne: Afinal que sei eu? Isto porque ninguém se atreve a opor-se a um gigante[9], sendo mais fácil seguir o caminho da dúvida e da suspensão do juízo.


[1] Aqui o autor refere-se à Kant e ao imperativo categórico. O imperativo categórico é um dos principais conceitos da filosofia kantiana – é a capacidade que todo o homem possui de saber o que é certo e o que é errado, dado que todos possuem a faculdade da razão que lhe ordena: Não faça aos outros o que não desejas que façam contigo.
[2] Tais exemplos foram ouvidos em uma aula de filosofia, entretanto não se sabe se teria sido registrada em algum escrito filosófico ou tratado sobre ética e moral.
[3] Legalismo advém de legal, leis. O legalismo é aquilo que é legal, ou seja, diz respeito às leis. Uma pessoa legalista é, portanto aquela que observa rigorosamente as leis.
[4] O conceito de pessoa vem de persona palavra oriunda do latim que significa máscara, sendo utilizada para se referir às personagens, papéis e máscaras que os homens vestem na vida social.
[5] Popularmente conhecidos como camisinhas ou camisa de Vênus.
[6] Aqui deve-se suspender a diferença de gênero.
[7]  Egolatria é uma das varias formas de idolatria. A Bíblia, embora seja senso-comum, jamais condenou o ateísmo, mas sempre condenou a idolatria. Fê-lo pela boca dos profetas. A idolatria consiste em substituir a Deus por uma imagem, ainda que seja uma imagem criada em minha própria mente para representar o que eu acho que Deus é. Isso também é idolatria.
[8] 2 cor 3,6.
[9] Aqui o ensaísta refere-se novamente à Kant, buscando esquivar-se de mexer com um gigante da história das ideias. Talvez o ensaísta tenha sido um covarde, talvez tenha sido prudente, mas isto sempre depende da régua com que o leitor o queira medir.