Muito
embora a literatura de sabedoria afirme que o muito estudar esgote qualquer um[1], todavia, nada contribui
melhor para uma boa vida que os estudos. Se por um lado o homem amadurece
graças à sua experiência de vida, por outro, se tem o privilégio de estudar
enquanto vive suas experiências, terá o caminho encurtado. O estudo lhe dará
muitos atalhos.
Um
jovem que, por exemplo, ao viver seu primeiro amor, está ao mesmo tempo a ler O Banquete de Platão e a refletir,
retirará de sua experiência amorosa algo mais sólido para a vida e, quer o amor
perdure ou acabe, sairá dele sabendo mais sobre o amor do que alguém que, ao
experimentá-lo não teve a oportunidade de ler e “conversar” com Platão – que
lhe dava conselhos.
O
jovem adulto que está se tornando empreendedor, retirará maior proveito de seu
investimento ao ler as Sagradas
Escrituras ou os estoicos, e assim observar como o dinheiro é mencionado e
como a relação com ele pode transformar o coração do homem. Assim aprenderá
muito mais sobre o dinheiro do que apenas ganhando-o e gastando-o
Se for,
porém, o caso de um aspirante à atleta, o jovem tomará atalhos ao estudar a
história da Grécia e de como as olimpíadas surgiram em Atenas. Tomará um grande
atalho ao ter nas mãos A República de
Platão, que lhe advertirá a necessidade de cuidar tanto do corpo como da mente,
sendo ambos indispensáveis à boa saúde. A leitura dos clássicos junto aos
exercícios físicos o salvará de muitas ciladas, tais como o uso indevido de
anabolizantes ou mesmo o abuso dos limites corporais para além do suportável. O
livrará de cuidar só do corpo, lembrando que se tiver a mente enriquecida,
poderá otimizar o bom uso das habilidades corporais e vice-versa.
Haverá
ainda um jovem vocacionado que aspire à vida religiosa. Um jovem comum entraria
pela porta das instituições autorizadas a falar de Deus e poderia se perder,
sem um critério para julgar aquilo que os diretores espirituais estão a pregar.
Há pregadores que transformaram Deus numa máquina de fazer dinheiro, outros
transformaram a Igreja num mercado, prestando atenção nas metas e na técnica de
fazer o salão encher; outros ainda, induzirão os jovens a doar todas as suas
posses ou a crer cegamente em tudo o que é dito ali. Porém, se tal jovem ao ter
seus primeiros contatos com a religião organizada – seja ela qual for – estiver
lendo os comentários de Orígenes, os autores medievais como Pelágio, os
cátaros, Valdenses, as 95 teses de Lutero, O
Túmulo do Fanatismo de Voltaire, ele terá em suas mãos diversas lentes com
as quais poderá enxergar a religião sob diversos aspectos.
Poderá
perceber nas igrejas pentecostais traços do platonismo e da demonização do
mundo sensível. Poderá se deparar com a fé cega e literal de algumas
instituições religiosas, preferindo interpretar as Escrituras de um modo mais
livre e alegórico. Talvez perceba que o homem não precisa de mediação
eclesiástica para se achegar a Deus, tal como Lutero ensinou. Mas para que tal
jovem se aperceba destas coisas é preciso que ele leia por sua própria conta e
não, com a orientação dos ministros de cada igreja, pois os ministros terão
sempre a tendência de ler as Escrituras de maneira a confirmar a sua crença. E,
o jovem lendo os filósofos por si mesmo, ainda que sem tantos recursos
conceituais, acabará por formar sua própria visão das religiões e do mundo.
Vê-se que, com o estudo de filosofia, o jovem pode obter uma dúvida saudável e
escapar do legalismo e do fanatismo. Ele poderá adotar o caminho do meio,
balançando entre a duvida e a fé. Mas, alguém objetará: não poderá ele se
tornar um cético e descrente? Ao que responderemos prontamente: quem na
sociedade se mostra cometendo as maiores crueldades – um religioso fanático ou
um cético descrente? Cada um que dê aqui sua própria resposta.
E assim
como estes exemplos e aspectos da vida – amor, dinheiro, esportes e religião –
muitos outros poderiam ser mencionados e esmiuçados, mostrando que é melhor
perder tempo estudando filosofia e conversando com os mortos – Platão,
Aristóteles, Sêneca, Montaigne, Voltaire – do que perder tempo conversando com
tolos que além de não terem nada a dizer, acham que sabem tudo. É melhor perder
tempo estudando filosofia do que perder tempo de vida. Mas se alguém mostrar
todo seu conforto e fortuna a um jovem que, ao tempo de suas experiências
pessoais também refletia e escutava os grandes filósofos, o mesmo concluirá que
este que lhe fala é um grande exibido e idiota.
É preciso
perder tempo estudando filosofia para que ao amar, não se passe de um amor a
outro sem a devida reflexão, pois pode ser que mesmo velho, tal pessoa tenha
colecionado mil mulheres em sua lista, mas nunca tenha compreendido e
aprofundado uma relação de amor. Para que saiba diferenciar eros de philia[2] e não se
confunda facilmente sobre o que sente por isto ou aquilo. Saiba discernir sobre
suas afecções, isto é, aquilo que lhe afeta.
Em certa
cidade havia um velho rico, que apesar de toda sua riqueza vivia solitário e
seus parentes aguardavam por sua morte para herdar seus bens. A vida deste homem
foi de muito trabalho e jamais sossegou. Quando enfim se aposentou, não teve
afeto dos parentes, pelo contrário, mais desassossego. Se tivesse perdido um
dia para meditar sobre o dinheiro, não teria amontoado tanto e teria tido paz
de espírito. Estudando filosofia não gastaria a vida tentando enriquecer e
possuir mais do que precisa. Porque saberia que o dinheiro só serve até certa
medida e que o dinheiro além de servir apenas até um ponto, pode ser perdido e
recuperado, mas o tempo que se gasta tentando ganhá-lo, este sim, perde-se para
sempre. Ademais, se alguém quer dinheiro – seja parente ou amigo – que vá
trabalhar.
Enfim, isso
poderia ser dito de muitos modos, mas o fato é que: é preciso perder tempo
estudando filosofia, mesmo ela não proporcionando grandes recursos ou conforto.
Pois o conforto que a filosofia traz não se pode mensurar com uma régua ou no
saldo bancário, mas é o conforto da ataraxia, da ausência de perturbação, de
saber-se o que é cada coisa, classificando cada coisa e colocando-a em seu
justo lugar. O dinheiro no lugar que lhe é justo, o amor no seu lugar, a
religião e a dúvida também no seu justo lugar. Obter discernimento e colocar
cada coisa em seu justo lugar é um exercício não apenas de direito, mas também
de lógica[3]. Assim foi
que Aristóteles ensinou a classificar as coisas em gênero e espécie[4].
É preciso
perder tempo estudando filosofia para não perder tempo de vida, gastando-a
inutilmente.
[1] Eclesiastes 12, 12-13. Bíblia A Mensagem.
[2] Eros – amor de amante. Amor
erótico. Philia – amor de amigo, amizade.
[3] Lógica é a parte da filosofia que
ensina sobre o correto pensar. Muitos acham que qualquer um pode ser filósofo,
mas a verdade é que: muitos podem pensar, todavia, só um filósofo conhece as
regras para o correto pensar. Evitando as falácias e armadilhas de tolos ou
espertalhões.
[4] O autor se refere ao Organon, de Aristóteles.
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