quinta-feira, 12 de abril de 2018

Por que estudar filosofia?



Muito embora a literatura de sabedoria afirme que o muito estudar esgote qualquer um[1], todavia, nada contribui melhor para uma boa vida que os estudos. Se por um lado o homem amadurece graças à sua experiência de vida, por outro, se tem o privilégio de estudar enquanto vive suas experiências, terá o caminho encurtado. O estudo lhe dará muitos atalhos.
Um jovem que, por exemplo, ao viver seu primeiro amor, está ao mesmo tempo a ler O Banquete de Platão e a refletir, retirará de sua experiência amorosa algo mais sólido para a vida e, quer o amor perdure ou acabe, sairá dele sabendo mais sobre o amor do que alguém que, ao experimentá-lo não teve a oportunidade de ler e “conversar” com Platão – que lhe dava conselhos.
O jovem adulto que está se tornando empreendedor, retirará maior proveito de seu investimento ao ler as Sagradas Escrituras ou os estoicos, e assim observar como o dinheiro é mencionado e como a relação com ele pode transformar o coração do homem. Assim aprenderá muito mais sobre o dinheiro do que apenas ganhando-o e gastando-o
Se for, porém, o caso de um aspirante à atleta, o jovem tomará atalhos ao estudar a história da Grécia e de como as olimpíadas surgiram em Atenas. Tomará um grande atalho ao ter nas mãos A República de Platão, que lhe advertirá a necessidade de cuidar tanto do corpo como da mente, sendo ambos indispensáveis à boa saúde. A leitura dos clássicos junto aos exercícios físicos o salvará de muitas ciladas, tais como o uso indevido de anabolizantes ou mesmo o abuso dos limites corporais para além do suportável. O livrará de cuidar só do corpo, lembrando que se tiver a mente enriquecida, poderá otimizar o bom uso das habilidades corporais e vice-versa.
Haverá ainda um jovem vocacionado que aspire à vida religiosa. Um jovem comum entraria pela porta das instituições autorizadas a falar de Deus e poderia se perder, sem um critério para julgar aquilo que os diretores espirituais estão a pregar. Há pregadores que transformaram Deus numa máquina de fazer dinheiro, outros transformaram a Igreja num mercado, prestando atenção nas metas e na técnica de fazer o salão encher; outros ainda, induzirão os jovens a doar todas as suas posses ou a crer cegamente em tudo o que é dito ali. Porém, se tal jovem ao ter seus primeiros contatos com a religião organizada – seja ela qual for – estiver lendo os comentários de Orígenes, os autores medievais como Pelágio, os cátaros, Valdenses, as 95 teses de Lutero, O Túmulo do Fanatismo de Voltaire, ele terá em suas mãos diversas lentes com as quais poderá enxergar a religião sob diversos aspectos.
Poderá perceber nas igrejas pentecostais traços do platonismo e da demonização do mundo sensível. Poderá se deparar com a fé cega e literal de algumas instituições religiosas, preferindo interpretar as Escrituras de um modo mais livre e alegórico. Talvez perceba que o homem não precisa de mediação eclesiástica para se achegar a Deus, tal como Lutero ensinou. Mas para que tal jovem se aperceba destas coisas é preciso que ele leia por sua própria conta e não, com a orientação dos ministros de cada igreja, pois os ministros terão sempre a tendência de ler as Escrituras de maneira a confirmar a sua crença. E, o jovem lendo os filósofos por si mesmo, ainda que sem tantos recursos conceituais, acabará por formar sua própria visão das religiões e do mundo. Vê-se que, com o estudo de filosofia, o jovem pode obter uma dúvida saudável e escapar do legalismo e do fanatismo. Ele poderá adotar o caminho do meio, balançando entre a duvida e a fé. Mas, alguém objetará: não poderá ele se tornar um cético e descrente? Ao que responderemos prontamente: quem na sociedade se mostra cometendo as maiores crueldades – um religioso fanático ou um cético descrente? Cada um que dê aqui sua própria resposta.
E assim como estes exemplos e aspectos da vida – amor, dinheiro, esportes e religião – muitos outros poderiam ser mencionados e esmiuçados, mostrando que é melhor perder tempo estudando filosofia e conversando com os mortos – Platão, Aristóteles, Sêneca, Montaigne, Voltaire – do que perder tempo conversando com tolos que além de não terem nada a dizer, acham que sabem tudo. É melhor perder tempo estudando filosofia do que perder tempo de vida. Mas se alguém mostrar todo seu conforto e fortuna a um jovem que, ao tempo de suas experiências pessoais também refletia e escutava os grandes filósofos, o mesmo concluirá que este que lhe fala é um grande exibido e idiota.
É preciso perder tempo estudando filosofia para que ao amar, não se passe de um amor a outro sem a devida reflexão, pois pode ser que mesmo velho, tal pessoa tenha colecionado mil mulheres em sua lista, mas nunca tenha compreendido e aprofundado uma relação de amor. Para que saiba diferenciar eros de philia[2] e não se confunda facilmente sobre o que sente por isto ou aquilo. Saiba discernir sobre suas afecções, isto é, aquilo que lhe afeta.
Em certa cidade havia um velho rico, que apesar de toda sua riqueza vivia solitário e seus parentes aguardavam por sua morte para herdar seus bens. A vida deste homem foi de muito trabalho e jamais sossegou. Quando enfim se aposentou, não teve afeto dos parentes, pelo contrário, mais desassossego. Se tivesse perdido um dia para meditar sobre o dinheiro, não teria amontoado tanto e teria tido paz de espírito. Estudando filosofia não gastaria a vida tentando enriquecer e possuir mais do que precisa. Porque saberia que o dinheiro só serve até certa medida e que o dinheiro além de servir apenas até um ponto, pode ser perdido e recuperado, mas o tempo que se gasta tentando ganhá-lo, este sim, perde-se para sempre. Ademais, se alguém quer dinheiro – seja parente ou amigo – que vá trabalhar.
Enfim, isso poderia ser dito de muitos modos, mas o fato é que: é preciso perder tempo estudando filosofia, mesmo ela não proporcionando grandes recursos ou conforto. Pois o conforto que a filosofia traz não se pode mensurar com uma régua ou no saldo bancário, mas é o conforto da ataraxia, da ausência de perturbação, de saber-se o que é cada coisa, classificando cada coisa e colocando-a em seu justo lugar. O dinheiro no lugar que lhe é justo, o amor no seu lugar, a religião e a dúvida também no seu justo lugar. Obter discernimento e colocar cada coisa em seu justo lugar é um exercício não apenas de direito, mas também de lógica[3]. Assim foi que Aristóteles ensinou a classificar as coisas em gênero e espécie[4].
É preciso perder tempo estudando filosofia para não perder tempo de vida, gastando-a inutilmente.



[1] Eclesiastes 12, 12-13. Bíblia A Mensagem.
[2] Eros – amor de amante. Amor erótico. Philia – amor de amigo, amizade.
[3] Lógica é a parte da filosofia que ensina sobre o correto pensar. Muitos acham que qualquer um pode ser filósofo, mas a verdade é que: muitos podem pensar, todavia, só um filósofo conhece as regras para o correto pensar. Evitando as falácias e armadilhas de tolos ou espertalhões.
[4] O autor se refere ao Organon, de Aristóteles.

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