Quando
os meninos crescem, tornando-se jovens, querem logo explorar o ambiente aonde
vivem – seja campo ou cidade. Seus pais geralmente preocupam-se muito mais com
o roteiro por onde passarão que com qualquer outra coisa. Entretanto, existe
algo infinitamente mais importante que o trajeto e suas possíveis complicações.
Ora, pouco se pensa sobre isto, mas toda a cidade possui uma espécie de alma,
ou melhor, um rosto.
O
rosto da cidade em geral possui as expressões das pessoas que habitam, vivem e
se movem nela. Imaginemos por exemplo, os prédios cheios de grades e câmeras de
São Paulo ou as avenidas abertas para a maior circulação possível de carros. As
periferias com esgotos ao céu aberto e os muros pichados. As igrejas e os
bordéis. Tudo em uma cidade revela seu rosto e o rosto daqueles que moram nela.
Toda sua arquitetura lhe revela o rosto. Por exemplo: quando vemos os prédios
com câmeras e grades, vemos um rosto amedrontado – é o rosto dos moradores do
prédio, mas é também o rosto da cidade. As largas avenidas revelam um rosto
aflito e ansioso, cheio de pressa. O esgoto e as pichações revelam um rosto em
agonia, que grita. Talvez o grito da periferia ou o grito do deserto. As
igrejas revelam um rosto que apesar de tudo ainda busca a quietude e a paz, um
rosto que apesar das expressões de medo, aflição e ansiedade, ainda encontra
espaço para aquietar-se e relaxar as feições carregadas do rosto. E o bordel,
em contraste, revela um rosto cheio de malícia e sedução. Talvez até de
barganha e esperteza.
Por
tudo isto, quando nossos jovens começarem a circular pela cidade, importa que
eles saibam o trajeto – para que não estejam num parque a contemplar um rosto
feliz – e caiam sem aviso num beco – vendo o rosto se desfigurar em terror e
violência. Porém, mais importante que o trajeto é ensiná-los a ver, através das
construções arquitetônicas, dos parques, jardins, esgotos, igrejas..., o rosto
da cidade. É reconhecendo o rosto da cidade que saberão melhor como por ela se
deve caminhar. E, talvez mais tarde perceberão, que ao terem estado muito tempo
numa determinada cidade, seus próprios rostos acabarão por refletir-lhe a alma.
A alma, isto é, o rosto da cidade, vai sendo impresso no rosto dos indivíduos
que vivem nela.
Outrossim,
é preciso ir além, a contemplar não só as expressões arquitetônicas e afins,
mas enxergar o interior das instituições pelas quais os homens precisam
necessariamente passar a fim de viver e sobreviver nela. Numa cidade grande
como São Paulo existem igrejas, escolas, Bancos, presídios, ONGs, empresas e
uma infinidade de instituições. Tendo uma vez conseguido contemplar o rosto da
cidade por meio das formas exteriores de sua arquitetura e urbanismo, é preciso
ir mais fundo, e contemplar-lhe a alma – aquilo que o rosto tenta sempre
dissimular de alguma forma. Talvez, ao penetrar não no rosto, mas na alma da
cidade, fiquemos perplexos com tamanha complexidade e ambiguidade: as ONGs
revelarão uma alma compassiva e cooperativa e ao mesmo tempo algo de sórdido –
tal ambiguidade muito natural em todos nós, que temos qualidades e defeitos; as
empresas revelarão a alma da competição brutal e da falta de empatia; os Bancos
revelarão a esperteza e o abuso do pobre; os jardins revelarão um espaço
intocado, virgem e dado por Deus. Neste jardim, lugar isolado, talvez
encontremos o rosto do amor incondicional de Deus, tal como um anjo que olha
a todos amorosamente, independente de quem seja, sem distinção, ao passo que na
cidade o amor é sempre imperfeito e condicionado por aquilo que se pode dar ou
oferecer.
Uma
cidade praiana terá um rosto distinto de uma feita de pedras. Uma cidade grande
terá um rosto distinto de uma cidade pequena. E assim como nos homens, o rosto
acabará sempre por imprimir nas feições a alma do indivíduo, nas cidades ocorre
o mesmo: a cidade acaba por imprimir em sua arquitetura e urbanismo o rosto da
cidade. Pode ser um rosto temeroso, aflito ou alegre. Nunca só isto, porém,
sempre com uma expressão que prevalece, tal como acontece conosco – uma pessoa
é conhecida sempre pelo humor, temperamento ou emoção que mais lhe marca, seja
a alegria, o amor, a cólera ou a melancolia.
Indo
mais além, no interior das instituições, encontraremos a alma da cidade.
Tirando-lhe a máscara e as possíveis tentativas de dissimulação do rosto. Isto
fica claro ao notarmos que um turista se deixa engambelar facilmente pela
dissimulação do rosto da cidade que visita, ao passo que um morador já conhece
muito bem a alma da cidade, sabendo de antemão o que é verdade e o que é
dissimulação do rosto. Tal como uma pessoa que conhece profundamente a outra,
que consegue vê-la através das expressões, mesmo quando expressando uma coisa
com as feições, esteja na verdade dizendo outra com a alma.
Ainda
pode ser de boa monta, dar livros de história aos jovens, porque ao estudaram
sobre Roma, China, cidades medievais, jardins renascentistas, poderão
compreender com maior clareza de que o rosto das cidades antigas não é como o
rosto das nossas cidades modernas. Talvez elas tivessem um rosto mais calmo e
menos ansioso, principalmente nos feudos medievais e nas comunidades agrícolas
da China. Talvez tivessem um rosto mais pacífico, dado os jardins neoclássicos
do barroco e renascença, que como obras de arte foram podados nos palácios da
Europa. Diferente do rosto das grandes metrópoles e de São Paulo – um rosto
deveras aflito.
Portanto,
ao guiar os jovens pelas cidades, vale mais preocupar-se com mostrar a eles o
rosto e depois, a alma da cidade. O trajeto deve ser a última preocupação,
porque se os jovens souberem enxergar o rosto da cidade, dificilmente cairão em
emboscadas, porém, atentos somente ao trajeto, pode ser que sejam enganados por
jardins que são na verdade, covis de lobos.
Sobre
este assunto muita coisa poderia ainda ser dita. Deixamos, porém em aberto para
que o leitor exercite a imaginação. E que tenha a oportunidade de, se é jovem,
tentar enxergar o rosto e a alma de sua cidade e se é velho, ensinar seus
filhos.
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