Antes
de respondermos à questão sobre “quem precisa de um conselheiro espiritual?”,
precisamos dizer rapidamente o que é espiritualidade.
Espiritualidade
é a esfera humana que lida com tudo aquilo que diz respeito ao espírito. A
palavra “espírito” advém da língua grega, sendo um de seus significados
“mente”. Espiritualidade é, portanto, a esfera da vida humana, o aspecto da
vida humana que trata das questões da mente. A espiritualidade tem como função
tornar a mente sadia.
Toda
a vez, pois, que utilizarmos o termo “espírito” neste ensaio, devemos lembrar
estarmos falando da mente e de suas faculdades.
Todavia, existem diversas formas de lidar com a mente, isto é, com o espírito.
Nas diversas tradições e caminhos propostos por cada religião, há uma maneira
de compreender o que é o espírito e métodos e “remédios” específicos para
curá-lo e restaurar-lhe a saúde. Existem diversas formas de espiritualidade:
espiritualidade cristã, espiritualidade mulçumana, espiritualidade hindu,
espiritualidade budista, taoista, indígena, dentre tantas mais. Há também uma
espiritualidade atéia e uma espiritualidade autônoma. Isto porque a
espiritualidade não está circunscrita no campo das religiões, e sim, no campo
mais amplo que é a vida humana e suas potencialidades. As religiões muitas
vezes funcionam como gaiolas que prendem o sopro do espírito, a espiritualidade
saudável e espontânea pungente em cada um de nós. Outrossim, existe até mesmo
práticas espirituais que ao invés de promover a saúde do espírito, promove sua
decadência. A estas Paulo apóstolo chama “hostes espirituais da maldade[1]”
(Efésios 6,12).
E, assim como existem diversas formas de espiritualidade, existem também
diferentes tipos de conselheiros espirituais. Cada conselheiro conduzirá seu
aprendiz por um caminho e por uma jornada. Mas o que é um conselheiro e mais
especificamente, o que é conselheiro espiritual?
Conselheiro é todo aquele que professa ou dá conselhos, admoestações e
recomendações. Um conselheiro espiritual é, portanto, todo aquele que dá
recomendações sobre a vida espiritual, a vida do espírito. Um conselheiro
espiritual é um tutor de espiritualidade; alguém que tem como função guiar o
aprendiz em direção a uma vida plena e feliz, com os pensamentos, emoções e
sentimentos integrados
e sadios.
Existem
caminhos que pressupõem que o conselheiro espiritual deve ser santo e isento de
pecado ou falhas (é assim na maior parte das religiões institucionalizadas),
porém, há uns poucos caminhos que não pressupõem tal coisa. É justamente aqui
que me encaixo e por isto decidi escrever este ensaio.
Eu
sou cristão, como já sabem aqueles que acompanham meu trabalho. Vim de uma
congregação pentecostal, mas com a proximidade dos estudos acabei afinando-me
mais com os chamados reformadores. Por fim, deixei a igreja enquanto
instituição, sem jamais deixar a Igreja corpo místico de Cristo, bem como não
abandonei minha paixão por tudo que diz respeito à vida espiritual.
Embora
hoje, os princípios da Reforma não sejam de todo atuais e muitos considerem que
para o cristianismo não morrer, precisaríamos de uma nova reforma, há contudo,
um princípio importante que aufere autoridade a qualquer um que deseje ser um
conselheiro espiritual: é “a doutrina do sacerdócio universal de todos os
crentes”, segundo a qual todos os cristãos – sejam ministros ou não – são
sacerdotes, podendo pregar, batizar, ouvir confissões e aconselhar. Assim
ensinava Martinho Lutero: " (…) que concedam a todos os irmãos e irmãs a
faculdade livre de ouvir a confissão dos pecados ocultos, para que o pecador
revele seu pecado a quem quiser, a fim de obter o perdão e o consolo, isto é, a
palavra de Cristo da boca do próximo”
(Do Cativeiro Babilônico da Igreja, Martin Claret, pág.
84).
Martinho ensina isto baseado nas Escrituras,
conforme ensina Timóteo em sua primeira carta: "Porque há um só Deus, e um só
Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem" (I Timóteo 2: 5). E, como diz João no livro de Apocalipse: "E nos fez reis e sacerdotes para Deus e seu Pai; a
ele glória e poder para todo sempre. Amém" (Apocalipse 1: 6).
Agora, pois, não há mais necessidade de ministros,
mediadores ou “papas”; não precisamos nem mesmo de tradição religiosa
alguma, e nem mesmo da orientação da igreja. E, é inspirado na radicalidade do
ensino dos reformadores sobre o sacerdócio universal de todos os crentes que eu
ouso escrever aqui, como uma espécie de confessor, diretor e conselheiro
espiritual. Não porque eu não tenha pecados, erros ou falhas de conduta, mas
sobretudo, porque o ensino dos reformadores e as Sagradas Escrituras me
autorizam, assim como autorizam a qualquer um – sejam eles santos ou pecadores
inveterados.
***
Mas afinal, a quem se destina esse livro e quem
precisa de um conselheiro espiritual?
Este livro destina-se a todo aquele que – seja
pecador inveterado ou não – almeje crescer na vida espiritual, obtendo salvação
(isto é, saúde)[2].
A todo aquele que almeje obter saúde e integralidade em seu ser, harmonizando
corpo, alma e espírito. Tal como admoesta o apóstolo: "E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e o
vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis
para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Tessalonicenses 5:23).
Integralidade das emoções, com bons pensamentos e
bons sentimentos. Obtendo plena saúde na mente e no corpo. Em todo o seu ser.
Este livro é destinado, portanto, a quem deseje avanço na vida espiritual.
E, por outro lado, vale frisar que todos nós
precisamos de um diretor espiritual. Até mesmo um diretor espiritual por vezes,
irá se deparar com querelas e questões, precisando ele próprio de outro diretor
e conselheiro com mais experiência que ele. Enfim, todos precisam de um mentor
e de alguém que lhes aponte o caminho; alguém que já o tenha percorrido. Um
jovem, por exemplo, quando vai casar-se, pede conselhos a quem é ou já foi
casado, sendo este o seu mentor espiritual naquele contexto; um aprendiz de
ofício busca conselhos de um profissional experiente, sendo este seu mentor
espiritual; e, um velho busca alguém mais sábio que ele próprio, escolhendo
para si também um mentor espiritual. Sejam os mentores religiosos ou não, que
professem um credo ou não, fato é que em diversos momentos da vida,
recorreremos a alguém que julgamos mais sábio ou experiente que nós, escolhendo
assim, naquele contexto ou sobre aquela questão, um conselheiro espiritual.
Um conselheiro espiritual não precisa
necessariamente ser um homem santo, podendo muito bem ter sido outrora, um
pecador inveterado; alguém que, por muito errar e tendo fracassado em diversos
aspectos da vida, tornou-se capaz de aconselhar os outros sobre os caminhos que
não devem ser percorridos e a apontar caminhos melhores. Então, ao iniciar
estes conselhos devo identificar-me como o diretor espiritual que percorreu o
caminho errante, e que, por muito ter fracassado, aprendeu algumas lições e
quis passa-las adiante, alertando para os perigos do mau caminho e
indiretamente, para o bom caminho: aquele que promove integralidade e salvação
(saúde).
Após esta breve introdução, desejo a você querido
leitor e peregrino, que aproveite tais conselhos e que eles lhes sejam fonte de
vida!
[1] Algumas vezes utilizaremos a Bíblia
traduzida por João Ferreira de Almeida, e outras vezes usaremos a Bíblia A
Mensagem traduzida por Eugene H. Peterson. Optamos assim, pois dependendo
da ocasião, uma faz-se mais fluente e acessível que a outra, ou simplesmente
porque aquilo que queríamos dizer estava mais claro em uma do que na outra
versão.
[2] A igreja latina compreendia salvação como vida
depois da morte corpórea, porém a igreja oriental compreendia salvação no
sentido de saúde e integralidade do ser humano. E é este o sentido que utilizamos aqui: salvação como saúde
e inteireza do homem.
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