quinta-feira, 12 de abril de 2018

Sobre o sêmen e os afetos (ou, sobre nossa sociedade hiperssexualizada)



Para quem conhece um pouco de história, é ponto pacífico que o fenômeno de uma sociedade hiperssexualizada é coisa recente, tendo pouco menos de cem anos. Mas, ao contrário do que parecia prometer, uma sociedade assim – aonde tira-se a roupa antes de se tirarem as máscaras – trouxe muito mais ansiedade do que amor e aconchego.
Hoje nós temos a possibilidade de flertar com quem quisermos e de fazer sexo com quem quisermos (desde que seja consensual de ambas as partes). Podemos transar com várias pessoas durante uma semana ou quem sabe num único dia.  Então, a rigor, podemos depositar o sêmen várias vezes e em diferentes lugares, a depender de nossa volúpia e, se não quisermos ter filhos, basta que o despejemos nos envoltórios penianos próprios para isto[1]. Mas para quem conhece minimamente a ciência da biologia, saberá que o sêmen fabricado pelo corpo masculino precisa ser expurgado, e que tal ato é puramente biológico, tendo mais a ver com as necessidades básicas de comer, beber e abrigar-se, que com qualquer outra coisa. Evitarei aqui, entretanto, falar das necessidades femininas, deixando o assunto às próprias mulheres e aos especialistas no assunto.
O que se dá, é que, todo homem, assim como todo animal, precisa esvaziar os bagos de quando em quando, da mesma forma que precisa comer, beber e abrigar-se. Sendo o ato de cuspir o sêmen para fora, um ato mais assemelhado à biologia e às necessidades básicas de sobrevivência. Todavia, quem possui um conhecimento parco de psicologia reconhecerá facilmente o que diremos a seguir: uma vez satisfeita as necessidades biológicas e básicas, o indivíduo buscará satisfazer as necessidades psicológicas de auto-estima e afeto[2].
Ora, se a necessidade de cuspir o sêmen fora é a rigor uma necessidade fisiológica, ela está na base das necessidades humanas. Um cão ou um coelho fazem o mesmo sem maiores problemas. Então, se podemos aliviar os bagos, porque ainda assim não nos contentamos tal como os demais animais que o fazem e ficam satisfeitos? Talvez porque acima das necessidades fisiológicas pairam as necessidades psicológicas de estima, aconchego e afeto.
A rigor podemos cuspir o sêmen fora aonde quisermos, mas não são em todos os “lugares” aonde o cuspirmos, que encontraremos aconchego e afeto. No fundo, estamos buscando uma coisa, mas fazendo outra. Isto porque o anseio por aconchego e afeto é uma necessidade muito mais profunda do que a necessidade de sexo. Sexo, assim como comida, nós podemos encontrar em muitos lugares, mas afeto não. Afeto é ainda mais escasso que comida, pão, leite (e sexo). É por isto que encontramos pessoas afirmando que transam com uma pessoa enquanto estão na verdade, pensando em outra; e pessoas que afirmam não querer transar com esta mas sim com aquela. Se alguém dissesse a outro: se você não tem mais a Vanessa, transe com Maria. Tal afirmação seria no mínimo absurda, para não dizer grosseira. A pessoa que quer transar com Vanessa não espera só uma cópula, não quer apenas cuspir o sêmen fora, mas quer seu afeto. Por isso, nenhuma outra pessoa pode lhe substituir.
 Agora podemos perceber o grande equívoco a que nos levou nossa sociedade hiperssexualizada – prometendo-nos prazer sem medida, deu-nos mil e uma frustrações. Mil e uma que na verdade se traduzem em uma única e grande frustração: ter a cama cheia, mas o coração vazio.
Seria melhor ter a cama vazia e o coração cheio de afeto e espirituosidade, tal como aqueles que, renunciando a vida sexual, optaram por servir suas comunidades. Tais homens, possuem o coração cheio de afeto e estima, pois a comunidade os estima; porém, têm a cama vazia, não a repartindo com ninguém. Contudo, alguém objetará de que um homem não pode viver sem sexo e que isso é impossível, logo, tal homem seria um mentiroso. Ao que nós aconselharíamos a este que assim fala, a que estudasse um pouco mais. Pois um homem pode muito bem viver sem sexo, desde que sozinho, alivie regularmente suas necessidades (do mesmo modo que alivia a fome e a sede). O que, porém, é de fato impossível – tanto ao homem quanto ao animal – é viver sem afeto.
Afeto é, senão a maior, uma das maiores necessidades do homem. É sua necessidade mais profunda. Sem afeto, aconchego, amor, o homem míngua e morre.  Arriscaríamos dizer que, afeto é mais importante que comida. Um homem que esteja mal nutrido de arroz e feijão, mas que tenha muito afeto, superará a falta de alimento, mas um homem que tenha a dispensa cheia e não tenha afeto, aos poucos morrerá. Poderá ter problemas de ordem psíquica e poderá até mesmo convalescer fisicamente. Vê-se que a pouca provisão de alimentos é suportada com maior facilidade que a pouca provisão de amor. A falta de amor mata mais que a falta de comida. E, não obstante, é mais difícil encontrar fontes de amor que fontes de comida. Especialmente nos dias de hoje, onde tudo é posto nas vitrines do mercado.
Então, embora alguns separem amor de sexo, dizendo que o primeiro é psicológico e o outro biológico e, que o primeiro é baseado no impulso de atração e o segundo no impulso de agressão, como se os dois pudessem funcionar separadamente, nós discordamos! Caso se separe sexo de amor, a personalidade daquele que prática ora sexo, ora amor, estará sempre carente e perturbada de algum modo. Porque quando o homem busca sexo ele quer ter uma experiência profunda de afeto e aconchego e assim, ele deseja também amor. E, quando ele busca amor, ele poderá ter sexo como complementação do sentimento de amor que nutre por aquela pessoa particular.
Então, embora a rigor se possa depositar o sêmen aonde se quiser (desde que seja consensual), isto só trará frustração. Porque até mesmo a pessoa que afirma gostar de sexo pelo sexo, está caindo em seu próprio auto-engano. Pode estar se defendendo da experiência de intimidade ou pode ser um mecanismo de defesa diverso. Desde modo, aconselharíamos que se não se encontrou o amor, não se busque conjunções carnais que mais confundem e causam ansiedade. Buscando ao invés disso, aliviar-se como puder, consciente de ser esta uma necessidade fisiológica que vem e vai, assim como todas as demais. E, se se achou amor, deposite ali o sêmen, pois ali terá não apenas alivio fisiológico temporário, mas afeto e aconchego perenes.
Deposite o sêmen e os afetos num mesmo repositório de amor, não em qualquer lugar, não em qualquer pessoa. Não separe sexo de amor, frustrando-se constantemente, pois quando o ser humano busca sexo, ele busca na verdade, uma experiência profunda de abertura, intimidade e aconchego com o outro. Deposite o sêmen e os afetos numa relação na qual passada a fase erótica, ambos conseguirão construir uma relação de amizade. Porque toda a relação será fugaz, se os amantes não aproveitaram o tempo de Eros para desenvolver amizade. Se não aproveitaram para construir amizade enquanto o fogo da paixão se extinguia. Lembre-se: se a aranha macho soubesse disto, escaparia da viúva-negra e procuraria uma aranha que, embora não tão fogosa, não lhe tirasse a vida e lhe comesse o cadáver; podendo ser sua parceira por toda a vida. Ademais, alguém pode ter o coração cheio e a cama vazia, mas na maioria das vezes uma cama cheia resulta sempre em um coração vazio[3].
Infelizmente nossa sociedade se perdeu.



[1] Envoltórios penianos era o nome antigo que se dava à camisinha.
[2] Sobre isto uma boa referência é  a Pirâmide de Maslow.
[3] Isto sem contar que ter muitos parceiros sexuais equivale a não aprofundar a relação com nenhum deles, logo: coração vazio.

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