Para quem
conhece um pouco de história, é ponto pacífico que o fenômeno de uma sociedade
hiperssexualizada é coisa recente, tendo pouco menos de cem anos. Mas, ao
contrário do que parecia prometer, uma sociedade assim – aonde tira-se a roupa
antes de se tirarem as máscaras – trouxe muito mais ansiedade do que amor e
aconchego.
Hoje nós
temos a possibilidade de flertar com quem quisermos e de fazer sexo com quem
quisermos (desde que seja consensual de ambas as partes). Podemos transar com
várias pessoas durante uma semana ou quem sabe num único dia. Então, a rigor, podemos depositar o sêmen
várias vezes e em diferentes lugares, a depender de nossa volúpia e, se não
quisermos ter filhos, basta que o despejemos nos envoltórios penianos próprios
para isto[1]. Mas para
quem conhece minimamente a ciência da biologia, saberá que o sêmen fabricado
pelo corpo masculino precisa ser expurgado, e que tal ato é puramente
biológico, tendo mais a ver com as necessidades básicas de comer, beber e
abrigar-se, que com qualquer outra coisa. Evitarei aqui, entretanto, falar das
necessidades femininas, deixando o assunto às próprias mulheres e aos
especialistas no assunto.
O que se
dá, é que, todo homem, assim como todo animal, precisa esvaziar os bagos de
quando em quando, da mesma forma que precisa comer, beber e abrigar-se. Sendo o
ato de cuspir o sêmen para fora, um ato mais assemelhado à biologia e às
necessidades básicas de sobrevivência. Todavia, quem possui um conhecimento
parco de psicologia reconhecerá facilmente o que diremos a seguir: uma vez
satisfeita as necessidades biológicas e básicas, o indivíduo buscará satisfazer
as necessidades psicológicas de auto-estima e afeto[2].
Ora, se a
necessidade de cuspir o sêmen fora é a rigor uma necessidade fisiológica, ela
está na base das necessidades humanas. Um cão ou um coelho fazem o mesmo sem
maiores problemas. Então, se podemos aliviar os bagos, porque ainda assim não nos
contentamos tal como os demais animais que o fazem e ficam satisfeitos? Talvez
porque acima das necessidades fisiológicas pairam as necessidades psicológicas
de estima, aconchego e afeto.
A rigor
podemos cuspir o sêmen fora aonde quisermos, mas não são em todos os “lugares”
aonde o cuspirmos, que encontraremos aconchego e afeto. No fundo, estamos
buscando uma coisa, mas fazendo outra. Isto porque o anseio por aconchego e
afeto é uma necessidade muito mais profunda do que a necessidade de sexo. Sexo,
assim como comida, nós podemos encontrar em muitos lugares, mas afeto não.
Afeto é ainda mais escasso que comida, pão, leite (e sexo). É por isto que
encontramos pessoas afirmando que transam com uma pessoa enquanto estão na
verdade, pensando em outra; e pessoas que afirmam não querer transar com esta
mas sim com aquela. Se alguém dissesse a outro: se você não tem mais a Vanessa,
transe com Maria. Tal afirmação seria no mínimo absurda, para não dizer
grosseira. A pessoa que quer transar com Vanessa não espera só uma cópula, não
quer apenas cuspir o sêmen fora, mas quer seu afeto. Por isso, nenhuma outra
pessoa pode lhe substituir.
Agora podemos perceber o grande equívoco a que
nos levou nossa sociedade hiperssexualizada – prometendo-nos prazer sem medida,
deu-nos mil e uma frustrações. Mil e uma que na verdade se traduzem em uma
única e grande frustração: ter a cama cheia, mas o coração vazio.
Seria
melhor ter a cama vazia e o coração cheio de afeto e espirituosidade, tal como
aqueles que, renunciando a vida sexual, optaram por servir suas comunidades.
Tais homens, possuem o coração cheio de afeto e estima, pois a comunidade os
estima; porém, têm a cama vazia, não a repartindo com ninguém. Contudo, alguém
objetará de que um homem não pode viver sem sexo e que isso é impossível, logo,
tal homem seria um mentiroso. Ao que nós aconselharíamos a este que assim fala,
a que estudasse um pouco mais. Pois um homem pode muito bem viver sem sexo,
desde que sozinho, alivie regularmente suas necessidades (do mesmo modo que alivia
a fome e a sede). O que, porém, é de fato impossível – tanto ao homem quanto ao
animal – é viver sem afeto.
Afeto é,
senão a maior, uma das maiores necessidades do homem. É sua necessidade mais
profunda. Sem afeto, aconchego, amor, o homem míngua e morre. Arriscaríamos dizer que, afeto é mais
importante que comida. Um homem que esteja mal nutrido de arroz e feijão, mas
que tenha muito afeto, superará a falta de alimento, mas um homem que tenha a
dispensa cheia e não tenha afeto, aos poucos morrerá. Poderá ter problemas de
ordem psíquica e poderá até mesmo convalescer fisicamente. Vê-se que a pouca
provisão de alimentos é suportada com maior facilidade que a pouca provisão de
amor. A falta de amor mata mais que a falta de comida. E, não obstante, é mais
difícil encontrar fontes de amor que fontes de comida. Especialmente nos dias
de hoje, onde tudo é posto nas vitrines do mercado.
Então,
embora alguns separem amor de sexo, dizendo que o primeiro é psicológico e o
outro biológico e, que o primeiro é baseado no impulso de atração e o segundo
no impulso de agressão, como se os dois pudessem funcionar separadamente, nós
discordamos! Caso se separe sexo de amor, a personalidade daquele que prática
ora sexo, ora amor, estará sempre carente e perturbada de algum modo. Porque
quando o homem busca sexo ele quer ter uma experiência profunda de afeto e
aconchego e assim, ele deseja também amor. E, quando ele busca amor, ele poderá
ter sexo como complementação do sentimento de amor que nutre por aquela pessoa
particular.
Então,
embora a rigor se possa depositar o sêmen aonde se quiser (desde que seja
consensual), isto só trará frustração. Porque até mesmo a pessoa que afirma
gostar de sexo pelo sexo, está caindo em seu próprio auto-engano. Pode estar se
defendendo da experiência de intimidade ou pode ser um mecanismo de defesa
diverso. Desde modo, aconselharíamos que se não se encontrou o amor, não se
busque conjunções carnais que mais confundem e causam ansiedade. Buscando ao
invés disso, aliviar-se como puder, consciente de ser esta uma necessidade
fisiológica que vem e vai, assim como todas as demais. E, se se achou amor,
deposite ali o sêmen, pois ali terá não apenas alivio fisiológico temporário,
mas afeto e aconchego perenes.
Deposite o
sêmen e os afetos num mesmo repositório de amor, não em qualquer lugar, não em
qualquer pessoa. Não separe sexo de amor, frustrando-se constantemente, pois
quando o ser humano busca sexo, ele busca na verdade, uma experiência profunda
de abertura, intimidade e aconchego com o outro. Deposite o sêmen e os afetos
numa relação na qual passada a fase erótica, ambos conseguirão construir uma
relação de amizade. Porque toda a relação será fugaz, se os amantes não
aproveitaram o tempo de Eros para desenvolver amizade. Se não aproveitaram para
construir amizade enquanto o fogo da paixão se extinguia. Lembre-se: se a
aranha macho soubesse disto, escaparia da viúva-negra e procuraria uma aranha
que, embora não tão fogosa, não lhe tirasse a vida e lhe comesse o cadáver;
podendo ser sua parceira por toda a vida. Ademais, alguém pode ter o coração
cheio e a cama vazia, mas na maioria das vezes uma cama cheia resulta sempre em
um coração vazio[3].
Infelizmente
nossa sociedade se perdeu.
[1] Envoltórios penianos era o nome
antigo que se dava à camisinha.
[2] Sobre isto uma boa referência
é a Pirâmide
de Maslow.
[3] Isto sem contar que ter muitos
parceiros sexuais equivale a não aprofundar a relação com nenhum deles, logo:
coração vazio.
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