Certa vez um visitante foi anunciado a entrar
no gabinete de Bill Clinton. Clinton disse à secretária que não o atenderia.
“Mas por quê?”, perguntou ela. “Não fui com a cara dele”, respondeu. “Mas que
culpa o coitado tem de ter a cara que tem?”, perguntou a secretária. “Minha
filha, depois dos quarenta anos todo mundo tem culpa de ter a cara que tem”,
respondeu o ex-presidente dos Estados Unidos.
Não posso
dizer com precisão quando nós, ainda pequenos, conseguimos pela primeira vez
captar o rosto humano e suas expressões, talvez um psicólogo soubesse dizer com
precisão. Entretanto, nosso objetivo aqui não é tratar de psicologia, regressão
à infância ou coisa que o valha. Pretendemos tão somente falar sobre o rosto,
imaginá-lo e refletir sobre ele.
Certo é, de
que cada pessoa possui um rosto singular, com suas formas e traços. Alguns tem
o rosto mais rechonchudo enquanto outros possuem um rosto mais fino por assim
dizer. Uns possuem o queixo mais preponderante enquanto outros têm olhos
esbugalhados. Uns rostos são mais simétricos que outros, uns são mais belos que
outros (de acordo com os padrões da época).
Todavia,
retirando as diferenças específicas de cada rosto particular, podemos dizer que
há em todos os rostos particulares, algo de universal. Se por um lado, a
particularidade de cada rosto são suas feições e traços físicos, por outro, a
universalidade está na expressão das emoções, pois todo rosto é capaz de
expressar alegria, tristeza, raiva, medo e etc. E, não é como no caso dos
traços físicos do rosto, onde cada rosto possui seus traços particulares. Ao
contrário! As emoções são expressas nos rostos particulares de maneira
universal. A alegria, o medo, a surpresa são expressos de igual modo tanto no
rosto de uma pessoa bela quanto no rosto de uma pessoa feia; são expressos de
igual modo tanto no rosto de um brasileiro quanto no rosto de um chinês.
A expressão
de surpresa, que induz o levantar das sobrancelhas e o cair do queixo é
expresso de maneira universal em todos os rostos particulares. A raiva que nos faz contrair a mandíbula,
cerrando os dentes e arqueando as sobrancelhas, é igual em todos os rostos.
Então, por mais que cada rosto tenha suas feições particulares, a expressão das
emoções se dá em todos de forma universal.
Se fossemos
tratar de utilitarismo, quer dizer, da utilidade do rosto, ou ainda, da
principal função do rosto, diríamos: é a de comunicar as emoções. Todo rosto
comunica uma ou mais emoções. Emoção, palavra oriunda do latim emovere que significa “mover para fora”,
descolar-se. Ora, se a principal função do rosto é expressar e comunicar
emoções e a palavra emoção aponta em direção a algo que está fora, que se
movimenta e se lança para fora, isto significa que o rosto tem como telos, como
finalidade, algo que não ele mesmo. O telos do rosto, sua finalidade, é
lançar-se para fora, mover-se em direção a outrem, comunicando as emoções da
pessoa em questão.
Cabe aqui
um breve adendo: coisa muito difícil é simular as emoções, porque elas foram
moldadas e são instintivas. São respostas instintivas. Vê-se com certa
facilidade, por exemplo, quando alguém está sorrindo ou simulando sorrir ou
quando alguém está surpreso. Os músculos faciais são acionados instintivamente
dificultando o fingimento – ato que requer muito treino e que os atores
executam com maestria.
Compreendendo
isto, percebemos que o telos do rosto é mover-se para fora. O rosto salta para
fora. Suas expressões e comunicação saltam para fora. O meu rosto deseja
alcançar outros rostos, comunicando subjetividade a subjetividade. Minhas
expressões se comunicam com a ajuda da luz e refração no olho de quem me
enxerga e vice-versa. O rosto, embora meu e particular, se lança para fora e me
lança para fora. Me lança para o outro. Me lança para o mundo.
Os outros
“entram” em mim por meio de seus rostos e eu “entro” nos outros por meio de meu
rosto. Somos igualmente lançados para fora, em busca da expressão e comunicação
de nossos desejos. Um rosto desejoso de amor comunicará em suas expressões a
ternura que sente, na maneira de olhar e posicionar as sobrancelhas e o queixo.
Mas, se no rosto a quem se dirige, o mesmo se mostrar sisudo, tal comunicação
não se efetivará e o desejo do primeiro será negado pelo segundo. Entretanto,
se a resposta for recíproca, o desejo comunicado pelo primeiro terá aceitação
do segundo e o desejo de ternura será satisfeito. Variações deste único exemplo
poderiam ser dados aos montes, como alguém que comunica sua raiva ao morder os
lábios e de como o interlocutor lhe responde, e assim por diante. Todavia, não
pretendemos nos alongar sobre isto, já que as variações do rosto e sua
comunicação podem ser concebidas e preenchidas pela imaginação de cada leitor.
Concluímos,
portanto de que, se cada rosto se lança para fora, no outro e no mundo, cada
rosto particular revela a essência da pessoa por detrás dele – sua psique, o
estado de sua alma. Quando se é jovem, com a pele elástica e macia, as
expressões vão e vem no rosto com facilidade e sem deixar marcas, entretanto,
quanto mais velha é uma pessoa e a pele já perdeu bastante da elasticidade, as
expressões que mais comunicou durante a vida ficarão marcadas afetando-lhe a
feição.
Um jovem
pode contrair e relaxar os músculos faciais sem que suas feições fiquem
marcadas, porém, à medida que envelhece e a pele perde a elasticidade, seu
rosto vai mostrando as marcas e sulcos, não apenas do tempo e idade, mas
principalmente, das emoções que cultivou e comunicou durante sua vida. Uma
pessoa que foi jovem e não revelava tanto assim a amargura, ao envelhecer, terá
as feições amargas, resultados de anos e anos de cultivo do amargor, no exercício de contrair os músculos do rosto de maneira a expressá-lo constantemente.
Ou uma pessoa que ao envelhecer, parece-se como quem está com nojo. De certo
tal pessoa passou a vida sentindo nojo e contraindo os músculos faciais nessa
direção, de maneira que, ao envelhecer e já com a pele viscosa e ressecada, tal
expressão ficou impressa em seu rosto. Semelhantemente é a pessoa que possui
uma feição serena, outra que possui uma feição triste, com as sobrancelhas
arqueadas e lábios levemente caídos, e outra que expressa ternura. Tais pessoas
provavelmente cultivaram e comunicaram tais sensações e sentimentos ao longo de
sua vida, mas agora, já velhos, tais expressões estão impressas em seus rostos
viscosos e sem tanta elasticidade para atenuá-las.
Enfim,
quando se é jovem pode-se mais facilmente dissimular os estados da alma,
porém ao envelhecermos, fica difícil enganar os outros sobre aquilo que verdadeiramente jaz
dentro de nós. As feições ficarão marcadas com uma ou duas das emoções que
comunicamos através do rosto – àquelas que comunicamos repetidas vezes e com
relativa constância ao longo da vida.
Se alguém
tivesse dúvidas sobre o verdadeiro caráter de um jovem rancoroso, não o terá
mais quando este for velho, se a expressão de rancor lhe tiver sido gravada no
rosto após anos e anos comunicando rancor através de suas feições. Se alguém
tivesse dúvidas acerca de uma jovem que aparentava ser amável, terá no entanto,
poucos motivos para duvidar quando esta for velha e a amabilidade tiver sido
impressa em seu rosto – tanto pelo tempo como por ser esse um sentimento
recorrente e que expressou diversas vezes durante sua vida no contrair mesmo dos
músculos faciais. O mesmo se dará com uma pessoa triste, melancólica, esperançosa
e etc.
O rosto
auxiliado pelo tempo trata de imprimir em si a vida que tivemos – a vida por
detrás do rosto. Talvez o faça como castigo, alertando os outros acerca de quem
nós somos sem que tenhamos como dissimular. Vale dizer que às vezes
acontecimentos traumáticos marcam de tal modo um rosto, que mesmo sendo ele
formoso, torna-se triste e cansado (como a perda de um ente querido ou um
desastre). De uma forma ou outra, a vida acaba sempre sendo impressa, gravada ou simplesmente talhada
no rosto do indivíduo. O rosto é, pois, uma verdadeira impressora das emoções,
imprimindo em seus músculos e curvaturas, cada sulco e tônus das emoções
cultivadas e vividas. E, a tinta do rosto são os próprios sulcos e rugas
impressos com a ajuda do tempo. Quando somos jovens podemos nos esconder por detrás do
rosto , porém, quanto mais velhos ficamos, mais a nossa alma se revela, ficando
impressa em nossas feições.
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* Um outro título possível para este ensaio seria: O rosto como gravura (ou, A gravura do rosto). "Gravura" talvez fosse uma expressão mais adequado que "impressora".
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* Um outro título possível para este ensaio seria: O rosto como gravura (ou, A gravura do rosto). "Gravura" talvez fosse uma expressão mais adequado que "impressora".
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